domingo, 10 de janeiro de 2016

Decifrando-te ou "Um Pouco da Arte da Guerra"

A: Vejo nos seus olhos: por que te causo desgosto? Por que razão, sem nem olhar para a minha direção, mira tuas flechas para mim? Teria a minha vaidade ferido a sua

B: Ora, meu caro, por acaso gastaria minhas flechas contigo? O que te apavora é a possibilidade de pisoteio pelas minhas botas. Deixe-me te contar um segredo - e espero que seja indulgente para com a minha honestidade: a qualidade daquele que me ataca não deixa de revelar algo acerca da minha própria qualidade. Não te atacaria, pois, aquele a quem ataco gostaria de ver tenso, à minha altura - aí eu teria um bom combate! -, e até onde suportaria uma sangria. Mas tu, me parece, não aguentas, não resistirias à minha força - derrubaria-te de um só golpe! E, se me desgosto de ti, é porque me irritei com teu jogo... 

A: Pra ser honesto, dói meu pescoço, cansa minha vista ter que olhar pra você... tão alto e tão longe!

B: Pois é daqui que te vejo e a visão do teu jogo me enoja: crês que poderias ter chegado lá. Mas ficaste com medo de que, quando lá chegasse, não tivesses ninguém para testemunhar tua "glória". Ficou logo atormentado pelo receio de ficar só - parou, então, no meio do caminho para desfilar suas plumas coloridas. Bem impressionado ficara o rebanho, deveras! Mas, sinto te dizer, ele logo se distraí com outras coisas, pois, as retinas do rebanho não enxergam tantas cores... 

A: Lá? Que tu sabes sobre chegar lá?

B: De minha parte, quando lá cheguei pela primeira vez, olhei para trás e me emburreci: "Porque vós não conseguis chegar até aqui?! Falta-vos coragem? Estou bem próximo do abismo, deveras, e, nas vezes em que nele me precipitei, tive que ter força para me sustentar na sua beira e retomar à terra firme - portanto, recomendo-lhes logo livrar-se de todo o peso supérfluo, supondo que queiram vir até aqui... - quando quis me lançar em sua direção, tive que usar minhas asas. Ah, vejo logo que não conseguem voar... Seria preciso antes desatrofiar as vossas, ou, mais ainda, criarem asas para vós próprios, meus caros!" De lá fui e voltei várias vezes, aguardando ansioso por alguma companhia - eu e mim estamos muito compenetrados numa conversa - precisamos de um amigo! Venham até mim, amigos, - eu vos espero! - mas que não venham rastejando!

A: E asas, não tenho?

B: Ainda precisaria passar pelo casulo, deveras. Mas, longe de mim - inseto asqueroso! É este o teu jogo que enoja: quer parecer que poderia, um dia, voar - disfarçando tu mesmo ser um inseto - quer parecer que voaria tão alto quanto gostaria a tua vaidade. Com efeito, como poderia eu - uma ave de rapina - te atacar? Já te honro um tanto decifrando-te.

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