terça-feira, 15 de outubro de 2019

Ao Professor F. Nietzsche

Homenagem de um "instrumento desafinado" ao maior professor que tive, Frederico Nietzsche, em seu 175º aniversário, 131º de publicação de "Ecce homo", reproduzo aqui uma passagem de sua autobiografia filosófica:

"Nunca entendi da arte de indispor contra mim — também isso devo a meu incomparável pai — mesmo quando me pareceu de grande valor. Embora possa parecer pouco cristão, não sou sequer indisposto contra mim mesmo, pode-se virar e revirar minha vida, nela se descobrirá raramente, apenas uma vez, no fundo, indícios de que alguém tenha mantido má vontade para comigo — talvez surjam, porém, indícios em excesso de boa vontade... Mesmo minhas experiências com aqueles com quem todos têm más experiências falam a seu favor; eu domo qualquer urso, faço até os bufões se comportarem. Nos sete anos em que ensinei grego à classe mais adiantada do Pädagogium¹ da Basiléia, não tive ocasião para impor castigo; os mais relapsos eram industriosos comigo. Sempre estive à altura do inesperado; devo estar despreparado, para estar senhor de mim. Seja qual for o instrumento, esteja ele desafinado como só o instrumento "homem" pode desafinar — eu teria de estar doente, para não conseguir extrair dele algo que se ouvisse. E quantas vezes ouvi dos "instrumentos" mesmos que eles nunca haviam se escutado assim... 
[...]
Aos que silenciam falta-lhes quase sempre finura e cortesia do coração; silenciar é uma objeção, engolir as coisas produz necessariamente mau caráter — estraga inclusive o estômago. Todos os calados são dispépticos. — Veja-se que não desejo ver subestimada a grosseria; ela é, de longe, a mais humana forma da contradição, e, em meio ao amolecimento moderno, uma de nossas primeiras virtudes. — Quando se é rico o bastante para isso, é inclusive uma fortuna estar errado. Um deus que viesse à Terra não poderia fazer senão injustiça — tomar a si não a pena, mas a culpa, é que seria divino."

("Ecce Homo", "Por que sou tão sábio?", 4-5, 1888. Trad.: Paulo Cesar de Souza)

1. Fase anterior à universidade, Algo próximo do "ensino médio" brasileiro.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Em defesa dos Evangélicos ou "Advogando para o Diabo"

1. Entende mal a religião quem não percebe que o "diabo" é sempre aquele ator político-econômico, um "Grande Outro", que deteriora, através de vários meios, as condições materiais de vida da comunidade.. Isso explica a circuspecção da comunidade e sua aversão ao forasteiro, ao estrangeiro e ao aventureiro — e sua submissão ao sacerdote, irmão de leite do anjo decadente.

2. Os católicos são profundamente mais hipócritas que os evangélicos até o ponto de não perceberem a sua hipocrisia ao acusar de vazia a fé alheia. Aqueles buscam entorpecer a consciência; estes, purificá-la. É por isso que a pena para os católicos é maior na "Lei contra o cristianismo". 

3. É perfeitamente possível, as condições históricas, objetivas e subjetivas, estão dadas para que o Brasil se torne um Estado totalitário orientado por algum tipo de fundamentalismo religioso, isolando-o do mundo. Disso não se pode responsabilizar apenas os que chamamos genericamente de "evangélicos". A busca pela pureza é sinal avançado de profunda corrupção da cultura, do gênero de vida de um povo.