terça-feira, 21 de junho de 2022

Resenha - "Sete Copas ou Espíritos Livres" (2020)

 Posto aqui esta resenha nunca antes publicada do meu álbum "Sete Copas ou Espíritos Livres" (2020). 

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Este é meu 26º álbum em 15 anos de música. Enquanto o anterior, “História da Música”, foi maturado ao longo de 10 meses em 2019, “Sete Copas...” nasceu entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020. Brotou do entorpecimento do meu espírito ao longo das jornadas vividas nestas últimas férias. Surgido da necessidade de falar — calar produz mau caráter, já ensinava o alemão — de questões urgentes, latentes em mim. É o primeiro álbum de uma nova fase de minha vida e retoma sonoridades acústicas que há muitos anos não apareciam nas minhas músicas. Inclusive, com um novo instrumento, o bandolim, que há muito eu pensava em adquirir para meu estúdio. Eu estava cansado da guitarra. Eu desprezo solos de guitarra. O “rock”, o que é? Essa “máscara” atrás da qual se escondem muitos dos canalhas hodiernos, muitos dos fascistas usam da sua virulência estética como símbolo de si mesmos e de sua crueldade. Portanto, que tenho eu a ver com o rock? Uso-o desde sempre para atacar aqueles que nele se escondem! Também neste álbum procedo desta forma em 3 ou 4 canções. Logo na sua primeira metade, que é já para afastar o ouvinte que eu desprezo. Esconder o desprezo: assim procedem os bons cristãos, lhes parece, como dizem hoje em dia, “belo e moral”. Que tenho eu com o cristianismo de qualquer espécie?! O meu ateísmo é instintivo e me surgiu ainda criança, antes dos 5 anos de idade, talvez. Que tenho eu a ver com estas moscas volantes? Meu faro afiado permite apenas que sinta nojo dessa gente, meu instinto para a saúde me impede de sentir “compaixão”, eu não “sofro com eles”, e se às vezes me falta sorte, eu sofro por eles... Os melhores dentre os que se dizem cristãos, aqueles a quem Nietzsche chamava de “cristãos puros”, uns poucos dos que são meus amigos mesmo, meu instinto psicológico perscruta sua intimidade, contudo, prefiro desviar o olhar. Sei honrar meus amigos e guardo recato das contradições que, ao fim e ao cabo, fazem parte da humanidade, não são privilégios dos cristãos. Quem for do meu tipo não precisará nem de paciência nem de teste de força alguma para alcançar a segunda metade do álbum, na qual como a abelha que produziu muito mel, distribuo da minha abundância e riqueza de espírito. Como sempre, escrevo e canto para mim e para os que me são semelhantes, os raros. Nunca acreditei que aquilo que sai da minha boca e dos meus instrumentos possa ser acolhido por qualquer ouvido. É um privilégio me escutar. É uma dádiva para qualquer um dos meus amigos me conhecer. Eu sou feito de ouro e sei retribuir todos os que se acercam de mim nesta vida, todos os que me oferecem sua companhia nas diversas sendas trilhadas, nas diversas jornadas e batalhas, cuja duração varia entre alguns meses ou anos, seja no trabalho ou nas dimensões privadas da minha vida. É a estas pessoas, este círculo bendito de privilegiados, a quem dedico este álbum. Ouçam-me amigos: sois espíritos livres como eu? Sois capazes de atravessar este presente horrível, esta noite escura, estas trevas? Pois bem: logo ali na frente uma nova aurora se anuncia. Esta é a lei universal. Ainda aguardo por ecos, estou farto de elogios, sei fazê-los a mim mesmo. Onde estão, amigos? Parece-me que ainda ontem “perdi” um amigo. Será possível que se perca aquilo que nunca tivemos? Não acredito nisso. Em verdade, vos digo: o tempo é um filtro que seleciona os melhores. Longe de mim todos os que claudicam com suas necessidades, todos os lamuriosos viciados que se perderam em seu egoísmo e covardia! E se o inverno vem me visitar, eu não o desonro, mas me esquivo de sua fria inveja! Quero que se me acerquem quem for melhor que eu para que eu possa os imitar e aprender as suas habilidades de espírito. Quero aprender a amar mais profundamente, a odiar mais profundamente, a ler mais profundamente, a escrever poesias mais belas, a ser mais belo eu mesmo, o mundo já está cheio de coisas horríveis, a cantar melhor, a compor melodias mais delicadas e belas, a ser mais forte e mais saudável. Com este voto finalizo este pródromo, amigos: que façamos da vida uma experiência de beleza e força, saúde e coragem!

 

Juliano Berko, fevereiro de 2020.

Resenha - "A História da Música de Juliano Berko" (2019)

 Posto aqui esta resenha nunca antes publicada do meu álbum de 30 anos de vida/15 anos de música: "A História da Música de Juliano Berko" (2019). 

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Uma árvore jovem, mas que, contudo, já atingiu o ápice da altura da sua espécie. Uma imponente Sumaúma, cujas virtudes — e mesmo vícios — não se medem com as demais árvores ao seu redor: sobre elas projeta sua sombra. Representa para elas o terror daquilo que bloqueia a luz. Um grande mal-entendido, como sabem aqueles com altura o suficiente para o conhecimento. Mal sabem esses pequenos arbustos ingratos que, a bem da verdade, ela as protege da virulenta radiação do sol de um grande meio-dia. Altiva, esta Sumaúma toma a ingratidão e a desconfiança das plantas que grassam ao seu redor como a parte que lhe cabe. E ainda generosa: permite que mesmo aves de rapina, Uiraçu (ou Harpia, para os gregos), façam nela sua morada; pequenas orquídeas proliferem em seus galhos, nutrindo-se de sua abundância — alegra-se de sua força e coragem, de suas cores e aromas. As suas raízes são profundas, lançando-se em direção à Terra com sede de saber, libido sciendi, sensual e sagaz; entre elas se entrelaçam víboras, Sucuris (ou Hydra, para os antigos) e outros monstros que rastejam na escuridão da floresta. Dobra-se em altura com o tronco e a copa, ansiando pelo céu do imaculado conhecimento, pura e plena daquilo que, para tal, é condição fundamental: o amor.

Aqui se percebe como estas contradições, que se expressam livremente na vida, se constituem metáforas de seu próprio corpo, a sua própria constituição enquanto ser vivo prescinde do tacanho moralismo que as renega e disfarça. Isso sabe o que se tornou mestre de si mesmo; isso aprende o que é o seu aprendiz. Aquele é Zaratustra, com sua águia e serpente, raízes e galhos; este é o Jovem na montanha, com seu cansaço e inveja, autocomiseração e autopenitência.

A obra que aqui se apresenta nada mais é do que o fruto do diálogo entre estas personagens ao longo das últimas três estações ocorridos em meu espírito que, refletindo sobre minha vida e as questões fundamentais que me são familiares, sobre a metade da minha existência dedicada à música — venho me tornando compositor de canções desde os 14 anos — e sentindo a necessidade de contar a minha história e a história da minha música — que, para todos os efeitos, é a grande tarefa da minha vida, aquilo que me é único e indissociável. Para tal, tomo como parte estruturante da referida obra o capítulo “Da Árvore na Montanha”, do Zaratustra de Nietzsche, transformado em versos e musicado, dividido em quatro partes. Ora toma protagonismo o mestre, ora o aprendiz. O mestre, já maduro, usa um tom de voz mais baixo, uma oitava mais baixa ao cantar. O aprendiz, ainda verde, usa um tom de voz mais alto, põe-se a gritar uma oitava mais alta ao cantar.

Esta obra foi pensada para representar em cada canção um ou mais estilos e ritmos musicais que constituíram a minha formação: o proto-punk rock e power pop de minha origem e fundação; o reggae, reggaeton, o funk e os demais ritmos de origem africana e latina; o jazz, blues e bossa-nova de escalas pentatônicas e rítmica mais complexas; o baião, a balada, o eletrônico, o folk e o indie: todos presentes, mais de um em alguns casos, em cada canção. Vejam meus amigos: eu já sei quem sou e conquistei o meu espaço. Com isso não quero dizer que disputo consciências nem que estou à venda; nem mesmo almejo ser ouvido por quaisquer ouvidos: não sou um músico miserável o bastante para tal. Sei que o deserto é longo, mas eu mesmo me constituí num abundante oásis: sou o meu próprio mecenas, sou o meu próprio ouvinte! Torno-me um animal mais raro a cada estação... Hoje mesmo meus melhores amigos e ouvintes estão mais distantes de mim: também o encontro com eles se torna evento menos frequente, pois, alguns dos que me acompanharam até aqui já não me prometem grande futuro e nos estranhamos... O deserto, portanto, tornou-se ainda maior. A Amazônia mesmo arde em chamas, fazendo do planalto central um anteprojeto árido do futuro da humanidade industrial baseada na exportação de commodities. De modo que se faz mister celebrar com este álbum conceitual os meus 30 anos de vida, 15 anos de música, de profunda alegria e de criação de sentidos e valores vivos — a despeito de toda a mendacidade e covardia da nossa cultura decadente, refém do ressentimento mais venenoso! Para longe com ele! Sobre tal é necessário até mesmo me impor silêncio, uma vez que algumas questões são expostas nas canções de maneira bastante loquaz — mais não é preciso dizer.

Nesta hora de música que apresento canto, danço, rio, choro e louvo a vida para satisfazer os imperativos da existência: está aqui registrada, então, esta minha história! Estão aqui gravadas estas minhas verdades! Carpe diem, amigos! Cave musicam, irmãos!

1.      The Tree On The Hill

 É a canção estruturante do álbum, dividida em quatro partes é o capítulo do “Assim Falou Zaratustra” de Nietzsche musicado a partir do cotejo entre algumas traduções em inglês. Algumas passagens são versificações literais compostos a partir do texto, outras são criações poéticas minhas a partir das imagens contidas no texto, em especial na parte IV. A divisão da canção em quatro partes produz 13 faixas, como a trilogia “Infinito Outubro” (2007), “Livro Livre” (2008) e “Coisa Pra Dizer” (2008); caso considere-se a canção como uma única peça, produz 10 faixas como a quase totalidade das obras após esse período inicial. Aqui, mostro a importância do folk dylanesco, da balada, do rock industrial, como o entendo: Killing Joke; e do rock progressivo na minha formação. Foi a segunda canção composta para o projeto, em idos de março. Ela abre o álbum com um arpejo acústico, em outras passagens utilizo o efeito de “slide” na guitarra sobre o mesmo arpejo, e fecha com uma belíssima balada na qual está presente um jogo de vozes ‘mais baixa+mais alta’, símbolo do esforço de unidade contra as pressões dissociativas que todos enfrentamos em nossa psique, a unidade entre Jovem e Zaratustra, mestre e aprendiz; tronco, copa e raiz.

 2.      Mare Tranquillitatis

 Foi uma tentativa de recriar o primeiro poema que escrevi, “A Lua”, escrito por volta de 2001 ou 2002. Lembro que havia me alegrado tanto com aqueles versos que cheguei a mostrar para algum amigo, colega de classe que me fez a cortesia de mostrar para a nossa professora de língua portuguesa. Eu não tenho esse poema guardado e apenas pude reter uma ou outra imagem ali evocada em minha memória, como o “farol” que guia os apaixonados... Certa noite eu esperava um ônibus sob um imenso luar que tomou meu espírito de nostalgia daquele poema e escrevi os versos todos da música logo que cheguei em casa. A música foi composta com apenas três acordes (C, F, Am), para rememorar o esforço juvenil de criação de um punk rock clássico, contudo, o arranjo é tão diverso que não parece assim tão simples. Por fim, adaptei o arranjo para o ritmo de um funk tradicional, “Miami beat”, ou coisa que o valha, o mesmo que utilizei em “Vivat Comaedia!” (“Endemônio”, 2017) que é a canção que fiz favorita da Aurora e havia prometido que faria outra com base no mesmo ritmo. Foi a primeira canção criada para o álbum, por volta de fevereiro. Daqui em diante, todas as canções seguem uma ordem cronológica de criação ao longo de 2019. Por fim, o seu título é o nome latino de uma região da face visível da lua.

 3.      Sunlight Paranoá

 Esta canção surgiu a partir de seu título que é um trocadilho com uma canção do Lobão, “Moonlight Paranoia”; quis fazer algo que a rememorasse, mas que fosse sua antítese em ética e estética, a antítese dessa hegemonia conservadora carcomida, no rock e na política, sob a qual ora vivemos. Os versos foram desenvolvidos a partir de um texto que publiquei n’O Verso Lá No Verso, “O aprendizado do mar”. É um reggaeton, algo que surgiu recentemente em meus ouvidos e que já havia me utilizado antes em “Alegria” (“Endemônio”, 2017). Me agrado da sutileza dos arranjos e do suave balanço deste ritmo latino. É uma ótima forma de mostrar o meu desprezo pela ética e estética do roqueiro classe-média latino-americano da periferia do mundo, afetado de superioridade diante dos povos tradicionais da América. Um autodesprezo, inclusive, e um apreço ao que nossa cultura produziu de original e diverso. Só é possível amar o diferente. Este afeto se repetirá mais adiante no álbum.

 4.      O Alquimista

 É uma das poucas canções que escrevi de uma só vez. Deu-se a partir da reflexão sobre a filosofia Nietzscheana da transvaloração dos valores nutrida das leituras do “Além do Bem e do Mal” e d’O “Anticristo”. Como faço há alguns anos, esta é a música do álbum cujo ritmo é divido em três tempos. Evoca belas imagens em seus versos e é uma canção poderosa em que rendo homenagens ao blues como forte influência indireta sobre minha obra.

 5.      Atrás Do Trio Elétrico (Só Não Vai Quem Já Morreu)

 Esta canção desenvolveu-se a partir do seu título, que me ocorreu no carnaval deste ano. Originalmente, queria criar um samba ou marcha carnavalesca, o que não se desenvolveu ao longo do processo criativo. Descobri uma canção do Caetano Veloso com o mesmo título, o que me levou a utilizar o estratagema dos parênteses para a diferenciação. É a mais política canção do álbum, por isso a mais afetada pela profunda degeneração cultural e moral que se experimenta a partir do ar que se respira hoje no Brasil. Nela, faço referência ao antológico samba-enredo apresentado pela Mangueira no carnaval deste ano e rendo homenagem ao pós-punk e ao hardcore, este como influência indireta, aquele como influência direta na minha constituição artística. É introduzida por um solo de bateria.

 6.      The Wonderer

 É a segunda canção em inglês do álbum criada, basicamente, a partir de aforismos de Nietzsche em inglês com o refrão baseado num jogo de palavras que causa uma suave aliteração. A música foi pensada para recriar um ritmo de funk/funk rock, que me utilizei por vezes, como outra de minhas influências colaterais. O título é um neologismo criado a partir de “Wanderer” (“Andarilho”) e “Wonder” (Maravilha). Seria algo como o “criador de maravilhas”. Há uma versão em português cujo título é “O Andarilhoso”. Possui uma citação de Heráclito que pesquei no twitter e com a qual muito me identifiquei: “One person is ten thousand to me if he is the best” (“Uma pessoa são dez mil para mim se ela é a melhor”). Possui também um magnífico solo de guitarra+baixo.  

 7.      A Viver Se Aprende Vivendo

 É uma das minhas favoritas do álbum, criada a partir de um riff que havia criado ainda em 2018 e que veio a se tornar a base do refrão. Portanto, foi criada a partir do segundo refrão. As estrofes e o primeiro refrão vieram depois. A base musical das estrofes foi criada para lembrar um reggae, ritmo o qual não componho tanto quanto ouço — e ouço, basicamente, a partir do gênio Bob Marley a quem presto, aqui, minhas singelas homenagens. Possui estrofes longas com longas linhas melódicas descendentes. Aqui canta o aprendiz num rito de passagem à sua maestria.

 8.      XXX

 É um rock jazzeado, originalmente pensado para ser uma de minhas “bossas”, tal “Das Tripas, Coração” (“Cave Musicam”, 2018), que aprendi a compor ouvindo os tropicalistas e Tom Jobim, que muito me agrada. Tentei fazer uma espécie, vá lá, de “walking bass”. O título é a minha idade corrente em algarismos romanos e alude à maturidade que atingi a partir das experiências destes últimos pares de anos. Para o arranjo, me utilizo do estratagema alcunhado de “sinfonia de guitarras” que desenvolvi primeiramente em “Lívido” (2009) e me utilizo vez ou outra em alguma canção desde então. É das poucas canções do álbum que passeia por todas as notas, de dó (em escala mais baixa) a dó (em escala mais alta), utilizando de acordes pouco convencionais, como diminutos e inversões. Musicalmente, é a mais rica do álbum.

 9.      Cornucópia

 Foi criada para ser um baião. Inicialmente, o riff da estrofe, origem da canção, foi criado em sol (G), porém, pensando em gravá-la com a participação de uma viola caipira (o que findou não ocorrendo até então), mudei para mi (E), para criar ressonância maior com o corpo acústico do instrumento. A letra é metalinguística e fala do meu instinto criativo, da minha capacidade de criar canções e da importância de tal virtude para mim. Até o primeiro refrão a canção é mormente acústica, com violões fazendo a sua base até que ele cria uma explosão sonora com a participação da guitarra, baixo, bateria e teclados que a elevam a um patamar de um “baioque” supersônico. Ao fim da canção há um solo de guitarra invertido, finalizando a canção de modo psicodélico. É mais uma das homenagens que rendo à rica musicalidade brasileira, especialmente a nordestina, de que mais gosto. Por longos anos fui incapaz de ouvir samba-canção e bossa-nova. O baião sempre me foi mais acessível. Cito como referências: Tom Zé, Alceu Valença e Luiz Gonzaga. Por fim, cornucópia é um símbolo de abundância e fertilidade, motivo de muitos quadros de natureza morta dentre os quais um que eu via no apartamento da minha vó quando criança.

 10.  Torre do Silêncio

 Foi criada para ser uma música inteiramente composta de sons eletrônicos (bateria e teclados), lembrando o arranjo hegemônico presente na obra “Indizível” (2012). O projeto do audacity desta canção, inclusive, tem origem no projeto de “Benefício da Dúvida” (“Indizível”, 2012). No estribilho anterior ao refrão me utilizo de um ritmo dividido em quatro tempos de sete micro-tempos, já utilizado no fim de “Liebesliede” (“Endemônio”, 2017). Por fim, acabei colocando guitarras nos momentos epifânicos da canção, quando subo o tom de ré (D) para mi (E). Assim, faço referência aos artistas indies e de música eletrônica que foram influências diretas sobre mim, como MGMT e Chemical Brothers. A letra é baseada na história do Zaratustra histórico, que teria vivido em algum lugar da Pérsia antiga. Isso se mostra nos mitos sobre seu nascimento, sobre o abandono de sua pátria na qual havia um lago, etc. Tomo como símbolo para mim mesmo e meu “abandono” por longos anos do lago da minha pátria, o Paranoá, para onde retornei apenas aos 18 anos. É uma canção que representa uma dietética de como quero viver a vida e mesmo de como quero morrer: Torre do silêncio é o espaço dedicado ao depósito dos restos mortais dos zoroastrianos, entregues ao sol e às aves de rapina, até tornarem-se pó que é, em definitivo, deitado no fundo de mares e lagos. Na epifania, me utilizo de falsete para atingir uma nota mais alta, signo do esforço de elevação, exercício que constantemente realizo em vida, como quero ser lembrado na morte.

Estão aqui registradas estas minhas verdades! Carpe diem, amigos! Cave musicam, irmãos! 

[Juliano Berko, Outubro de 2019]

domingo, 19 de junho de 2022

7 Historietas de Amores Goianos

1. Ela tinha 14 anos e era apaixonada por um rapaz da sua cidade no interior de Goiás. O rapaz era boa pessoa, de família modesta em posses. Ela, de família renomada na cidade, com muitas posses e sentido para a acumulação.... Certo dia, o rapaz passa na rua e ela acena para ele da janela, ocasião em que é agredida por sua mãe até perfurar-lhe o intestino. É levada para Goiânia às pressas. 3 anos depois ela se casa com outro rapaz vindo do Rio de Janeiro, estabelecendo-se em Brasília, então recém-inaugurada. Esta união é aceita por ambas as famílias, contudo, a antiga paixão permanece latente em seu coração para sempre. 

2. Ela o conheceu quando visitava sua irmã recém-casada na recém-inaugurada Brasília. Ela folheava uma revista "Cláudia" que deliberadamente deixou cair da janela do bloco do cunhado enquanto ele passava. Ele recolheu a revista e aguardou por ela que, ao descer para resgatar a mesma, travou o contato inicial que fundou uma linhagem inteira de filhos, netos e bisnetos. 14 anos depois ela se tornaria viúva em um acidente de carro do qual demorou meses para se recuperar (ela mordeu uma parte da língua — curiosidade: este órgão é capaz de se regenerar!). A partir de então, aproveita a vida livre para se enamorar de quem lhe aprouvesse, longe do controle dos pais e do marido, por longos 10 anos.

3. 10 anos após o acidente automobilístico que lhe fez viúva, ela, goiana radicada em Brasília, é quase atropelada por um senhor, 22 anos mais velho, quando saía da garagem do bloco dele na superquadra em que ambos moravam na asa sul. A partir de então, passou a receber o seu cortejo nos passeios da quadra. A ocasião inusitada serviu para que travassem o contato inicial da união, profundamente apaixonada da parte dele, que perdura por mais 25 anos. Ela cuida dele até a sua morte em idade avançada. Ele, que nunca teve filhos, toma suas enteadas por filhas, os filhos delas como seus netos, de forma genuinamente afetuosa e dedicada. Ele, do sertão cearense, deixou um legado de hábitos da cultura nordestina, lembranças de uma humanidade forjada no Brasil do Estado novo, contatos com ambientes requintados e com um determinado círculo da elite da burocracia e da política em Brasília.

4. Eles se enamoraram ainda na tenra adolescência, na Pirenópolis de 1972. A breve paixão, por capricho por destino, cedeu espaço para que ambos fossem viver novas relações que resultaram em seus casamentos, fundando cada qual suas próprias famílias. Ela confessou sentir, já casada, a palpitação, o coração-na-boca típico das grandes paixões mal resolvidas, quando cruzava com ele nas ruas e talvez se perguntasse secretamente se alguém seria capaz de perceber o seu rubor que lhe denunciava. Em 2020, em pleno isolamento imposto pela pandemia, ambos já separados dos seus respectivos cônjuges, retomaram o contato que reacendeu a paixão de anos atrás. Estão agora casados e rejuvenescidos em décadas pela magia do amor.

5. Eles tinham a mesma idade, cerca de 14 anos. Foram namorados na Goiás dos anos 1970. Um dia ela foge com outro rapaz aos 15 anos, aventura típica da época em que as moças de família desonravam o nome dela acaso se entregassem às paixões antes do sagrado matrimônio. Ele finda namorando e casando com aquela que era prima de sua primeira namorada, alguns anos mais nova, alguns anos mais tarde, em 1986. Têm dois filhos e se separam. Os filhos convivem com o pai esporadicamente na infância e depois passam praticamente 20 anos longe do pai, retomando o contato quando ele já está próximo do leito de morte, para honrar tardiamente esta estória dramática.

6. Ela nunca se casou. Provavelmente, faleceu sem nunca provar do fruto oferecido pela serpente que habita a árvore do conhecimento... Fora, de certa forma, escolhida pela sua família para ser a senhorita que cuidaria dos sobrinhos, da casa e dos pais até a morte. Contudo, neste ínterim, nos caminhos sinuosos apresentados pela vida, ela conhece uma moça vinda do Rio de Janeiro nos anos 1970 e que se estabelece ali na mesma cidade de Goiás, num sobrado com bela vista para a monumental Serra Dourada. Elas travam uma amizade forjada em viagens para pescarias e acampamentos à beira dos rios largos do oeste goiano — além de cigarros, muitos maços de cigarro! Aquela amizade certamente foi seu amor secreto por longos anos, até que a morte as levou para viver suas aventuras no paraíso.

7. Eles se conheceram na afamada rua da lama. Ela, menina sem origem exatamente conhecida, mestiça filha da miséria dos rincões do Brasil, é o brinquedo favorito daquele rapaz, filho de família abastada da cidade. Logo, a ardência dos seus encontros dá origem a uma criança, que cresce ali na mesma casa em que a mãe (sobre)vivia... A irmã mais velha dele descobre a existência da tal criança e a resgata, permanecendo sob seus cuidados. Alguns meses mais tarde, mais uma criança vem ao mundo fruto daquela paixão impossível. Na terceira gestação, a família dele resolve intervir para arranjar seu casamento com aquela moça, abençoando a união de ambos. Fundam uma família de gente bela e briosa. Possuíam uma fazenda de belíssima paisagem no oeste goiano, onde os filhos, netos, sobrinhos e sobrinhos netos aprenderam a observar maravilhados as infinitas belezas do cerrado.. Ela cuida dele ainda hoje, quando já claudica em sua saúde em idade avançada.