Está aí, enfim, o resultado desse ano absolutamente horroroso, o pior de toda a minha vida até aqui (impensável que conseguiria ser pior, que tive que testar mais os meus limites e fundamentos afetivos, intelectuais, políticos, que em 2016! Pior, mais profundamente dolorido, mais atacado pelo forte consolo, que em 2013!)! Ah, neste nebuloso dezembro ainda não é possível me libertar da vergonha de minhas superações, do nojo de minhas descobertas, da frustração após o teste de minhas hipóteses! Como ainda é pobre a humanidade, como ainda habita um patamar tão inferior — à minha altura... Findadas estas canções eu senti necessidade de asseio: colocar isso tudo pra fora não pode ser feito sem colocar também muita sujeira, imundície. Foi um difícil — parto natural... Mais que ter vontade, eu preciso de um banho: voar de volta para 2020 e mergulhar nas águas puras que vertem das minhas obras leves, das minhas alturas, as mais elevadas cascatas do espírito humano, “Sete Copas...” e “Ruínas do Futuro”: aquele sereno olhar lançado para além de mim, soberano de mim em tudo na vida; aquela zombeteira, alegre, maldade; aquela tranquila e concisa consideração sobre os assuntos “primeiros e últimos”! Já aqui, nestes “Cadernos de Poemas...”, tudo padece do inverso: peso demais vergou meu lombo, eu, este belíssimo burro-de-carga, tive que fazer de mim mesmo mais forte do que jamais fui, portanto, mais assustador; mais corajoso que jamais fui, logo, mais imprudente; e mais estúpido que jamais fui também (Como pude consagrar, em nome do conhecimento, o meu conhecimento da vida, tantas e tão vergonhosas, dolorosas, poluídas experiências? Ah, como fui tão cruel — com quem amo, e, muito antes, comigo mesmo e com meu orgulho! Coloquei nele um torniquete e apertei pra ver até onde seria capaz de suportar e agora vejo que o mesmo sucumbiu... este posfácio mesmo lhe serve como rito funerário!). Desespero demais ressoa nestes cantos gritados no meu estúdio em Samambaia. Recomendo cautela e bom estômago pro meu ouvinte, e que seja indulgente comigo: se fiz o que fiz, foi em vigília à aurora vindoura, a amiga das musas. Agora vejo que empunhei por tempo demais a minha espada e seu peso me tirou o tônus: minha força monstruosa, desumana, de repente se perdeu e saí dilacerando a mim mesmo, incendiando todo o horizonte de minha vida. Se ao longo desta madrugada, as inspirações me foram mais soturnas e tantas vezes me apavoraram, melhor sorte pra mim no próximo ano! Cave musicam, amigos! Acautelem-se diante destas canções! Elas podem fazê-los chorar dias seguidos, se embriagar ao ponto da amnésia, se envergonhar até mesmo do seu melhor amor ou tremer de ódio e desespero diante dos dilemas e dramas da vida... Tudo isso experimentei gestando elas no meu espírito, em verdade. E, por fim, perdoem-me também tanta sinceridade: esta minha virtude foi esticada ao ponto de tornar-se um vício. Que eu recobre a maestria da sua dose adequada e que para isso me ajude a minha maldade, meu lado melhor!
quarta-feira, 14 de dezembro de 2022
quarta-feira, 16 de novembro de 2022
Resenha: Cadernos de Poemas & Outras Arqueologias
domingo, 13 de novembro de 2022
Só Há Racionalidade Econômica Quando Superados os Preconceitos Morais
1. Oikonomia — Quando desaparece o moralismo; quando as preocupações são desafetadas de toda moralina, as questões de fundo econômico vêm à tona: "Amor é só um nome bonito com o qual disfarçamos nosso egoísmo preocupado com o futuro dos nossos genes: amamos mais onde temos mais promessas de futuro para a reprodução dos códigos da vida que carregamos através de nós mesmos e nossas idiossincrasias — os códigos que somos. Importa mesmo é isso: a que casa será destinado o excedente do teu esforço laboral? A que casa será destinada a riqueza resultante do teu trabalho?"
2. Oikophobia — Tão logo as nuvens se dissipam e podemos vislumbrar a infinitude do céu azul; assim que o sedimento lamacento decanta e observamos as profundezas através da água mais cristalina, outras questões muito mais interessantes se desdobram: "Por que trabalhamos? Qual o regime de trabalho mais justo? O que é considerado riqueza? Como ela é produzida? Quem se apropria dela? Quais são as nossas necessidades? O que é supérfluo? Qual a forma da nossa casa? Quem deve habitá-la? Quem tem direito e razão pra responder estas questões mesmas?! E se a minha casa é diferente, se nela vivemos, eu & meus amores, de outro modo, seremos proscritos, estaremos excluídos da sociedade e dos benefícios resultantes do seu esforço coletivo?"
3. Por fim, o aspecto fundamental: "Se compararmos nossa maneira de viver com aquela da humanidade durante milhares de anos, constataremos que nós, homens de hoje, vivemos numa época muito imoral: o poder dos costumes enfraqueceu de uma forma surpreendente e o sentido moral sutilizou e se elevou de tal modo que podemos muito bem dizer que se volatilizou. É por isso que nós, homens tardios, tão dificilmente penetramos nas idéias fundamentais que presidiram a formação da moral e, se chegarmos a descobri-las, rejeitamos ainda em publicá-las, tanto nos parecem grosseiras! Tanto aparentam caluniar a moralidade! Veja-se, por exemplo, a proposição principal: a moralidade não é outra coisa (portanto, antes de tudo, nada mais) senão a obediência aos costumes, sejam eles quais forem; ora, os costumes são a maneira tradicional de agir e de avaliar. Em toda parte onde os costumes não mandam, não há moralidade; e quanto menos a vida é determinada pelos costumes, menor é o cerco da moralidade. O homem livre é imoral, porque em todas as coisas quer depender de si mesmo e não de uma tradição estabelecida: em todos os estados primitivos da humanidade, “mal” é sinônimo de “individual”, “livre”, “arbitrário”, “inabitual”, “imprevisto”, “imprevisível”. Nesses mesmos estados primitivos, sempre segundo a mesma avaliação: se uma ação é executada, não porque a tradição assim o exija, mas por outros motivos (por exemplo, por causa de sua utilidade individual) e mesmo pelas razões que outrora estabeleceram o costume, a ação é classificada como imoral e considerada como tal até mesmo por aquele que a executa: pois este não se inspirou na obediência para com a tradição. E o que é a tradição? Uma autoridade superior à qual se obedece, não porque ordene o útil, mas porque ordena. — Em que esse sentimento da tradição se distingue de um sentimento geral do medo? É o temor de uma inteligência superior que ordena, de um poder incompreensível e indefinido, de alguma coisa que é mais que pessoal — há superstição nesse temor. — Na origem, toda a educação e os cuidados do corpo, o casamento, a medicina, a agricultura, a guerra, a palavra e o silêncio, as relações entre os homens e as relações com os deuses, pertenciam ao domínio da moralidade: esta exigia que prescrições fossem observadas, sem pensar em si mesmo como indivíduo. Nos tempos primitivos, tudo dependia, portanto, do costume e aquele que quisesse se elevar acima dos costumes devia tornar-se legislador, curandeiro e algo como um semi-deus: isto é, deveria criar costumes — coisa espantosa e muito perigosa! — Qual é o homem mais moral? Em primeiro lugar, aquele que cumpre a lei com mais freqüência: por conseguinte, aquele que, semelhante ao brâmane, em toda a parte e em cada instante conserva a lei presente no espírito de tal maneira que inventa constantemente ocasiões de obedecer a essa lei. Em seguida, aquele que cumpre a lei também nos casos mais difíceis. O mais moral é aquele que mais sacrifica aos costumes; mas quais são os maiores sacrifícios? Respondendo a esta pergunta, chega-se a desenvolver várias morais distintas; contudo, a diferença essencial continua sendo aquela que separa a moralidade do cumprimento mais freqüente da moralidade do cumprimento mais difícil. Não nos enganemos acerca dos motivos dessa moral que exige como sinal de moralidade o cumprimento de um costume nos casos mais difíceis! A vitória sobre si próprio não é exigida por causa das conseqüências úteis que tem para o indivíduo, mas para que os costumes, a tradição apareçam como dominantes, apesar de todas as veleidades contrárias e todas as vantagens individuais: o indivíduo deve se sacrificar — assim o exige a moralidade dos costumes. Em compensação, esses moralistas que, semelhantes aos sucessores de Sócrates, recomendam ao indivíduo o domínio de si e a sobriedade, como suas vantagens mais específicas, como a chave mais pessoal de sua felicidade, esses moralistas constituem a exceção — e se vemos as coisas de outro modo é porque simplesmente fomos criados sob a influencia deles: todos seguem uma via nova que lhes vale a mais severa reprovação dos representantes da moralidade dos costumes — eles se excluem da comunidade, uma vez que são imorais, e são, na acepção mais profunda do termo, maus. Da mesma forma que um romano virtuoso de velha escola considerava como mau todo cristão que “aspirava, acima de tudo, à sua própria salvação”. — Em toda a parte onde existe comunidade e, por conseguinte, moralidade dos costumes, reina a idéia de que a punição pela violação dos costumes recai em primeiro lugar sobre a própria comunidade: esta pena é uma punição sobrenatural, cuja manifestação e limites são tão difíceis de captar para o espírito, que os analisa com um medo supersticioso. A comunidade pode obrigar o indivíduo a reparar, em relação a outro indivíduo ou à própria comunidade, o dano imediato que é a conseqüência de seu ato, pode igualmente exercer uma espécie de vingança sobre o indivíduo porque, por causa dele — como uma pretensa conseqüência de seu ato — as nuvens divinas e as explosões da cólera divina se acumularam sobre a comunidade — mas ela considera, no entanto, acima de tudo, a culpabilidade do indivíduo como culpabilidade própria dela e suporta sua punição como sua própria punição: “Os costumes estão relaxados”, assim geme a alma de cada um, “uma vez que tais atos se tornaram possíveis”. Toda ação individual, toda maneira de pensar individual fazem tremer; é totalmente impossível determinar o que os espíritos raros, escolhidos, originais tiveram de sofrer no curso dos tempos por serem assim sempre considerados como maus e perigosos, mais ainda, por se terem sempre eles próprios considerado assim. Sob o domínio da moralidade dos costumes, toda forma de originalidade tinha má consciência; o horizonte dos melhores tornou-se ainda mais sombrio do que deveria ter sido."
[F. Nietzsche, "Conceito da moralidade dos costumes", "Aurora", nº 9,]
quarta-feira, 28 de setembro de 2022
Minha Coragem, Meu Eu-Lírico
terça-feira, 21 de junho de 2022
Resenha - "Sete Copas ou Espíritos Livres" (2020)
Posto aqui esta resenha nunca antes publicada do meu álbum "Sete Copas ou Espíritos Livres" (2020).
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Este é meu 26º álbum em 15 anos de música. Enquanto o anterior, “História da Música”, foi maturado ao longo de 10 meses em 2019, “Sete Copas...” nasceu entre dezembro de 2019 e fevereiro de 2020. Brotou do entorpecimento do meu espírito ao longo das jornadas vividas nestas últimas férias. Surgido da necessidade de falar — calar produz mau caráter, já ensinava o alemão — de questões urgentes, latentes em mim. É o primeiro álbum de uma nova fase de minha vida e retoma sonoridades acústicas que há muitos anos não apareciam nas minhas músicas. Inclusive, com um novo instrumento, o bandolim, que há muito eu pensava em adquirir para meu estúdio. Eu estava cansado da guitarra. Eu desprezo solos de guitarra. O “rock”, o que é? Essa “máscara” atrás da qual se escondem muitos dos canalhas hodiernos, muitos dos fascistas usam da sua virulência estética como símbolo de si mesmos e de sua crueldade. Portanto, que tenho eu a ver com o rock? Uso-o desde sempre para atacar aqueles que nele se escondem! Também neste álbum procedo desta forma em 3 ou 4 canções. Logo na sua primeira metade, que é já para afastar o ouvinte que eu desprezo. Esconder o desprezo: assim procedem os bons cristãos, lhes parece, como dizem hoje em dia, “belo e moral”. Que tenho eu com o cristianismo de qualquer espécie?! O meu ateísmo é instintivo e me surgiu ainda criança, antes dos 5 anos de idade, talvez. Que tenho eu a ver com estas moscas volantes? Meu faro afiado permite apenas que sinta nojo dessa gente, meu instinto para a saúde me impede de sentir “compaixão”, eu não “sofro com eles”, e se às vezes me falta sorte, eu sofro por eles... Os melhores dentre os que se dizem cristãos, aqueles a quem Nietzsche chamava de “cristãos puros”, uns poucos dos que são meus amigos mesmo, meu instinto psicológico perscruta sua intimidade, contudo, prefiro desviar o olhar. Sei honrar meus amigos e guardo recato das contradições que, ao fim e ao cabo, fazem parte da humanidade, não são privilégios dos cristãos. Quem for do meu tipo não precisará nem de paciência nem de teste de força alguma para alcançar a segunda metade do álbum, na qual como a abelha que produziu muito mel, distribuo da minha abundância e riqueza de espírito. Como sempre, escrevo e canto para mim e para os que me são semelhantes, os raros. Nunca acreditei que aquilo que sai da minha boca e dos meus instrumentos possa ser acolhido por qualquer ouvido. É um privilégio me escutar. É uma dádiva para qualquer um dos meus amigos me conhecer. Eu sou feito de ouro e sei retribuir todos os que se acercam de mim nesta vida, todos os que me oferecem sua companhia nas diversas sendas trilhadas, nas diversas jornadas e batalhas, cuja duração varia entre alguns meses ou anos, seja no trabalho ou nas dimensões privadas da minha vida. É a estas pessoas, este círculo bendito de privilegiados, a quem dedico este álbum. Ouçam-me amigos: sois espíritos livres como eu? Sois capazes de atravessar este presente horrível, esta noite escura, estas trevas? Pois bem: logo ali na frente uma nova aurora se anuncia. Esta é a lei universal. Ainda aguardo por ecos, estou farto de elogios, sei fazê-los a mim mesmo. Onde estão, amigos? Parece-me que ainda ontem “perdi” um amigo. Será possível que se perca aquilo que nunca tivemos? Não acredito nisso. Em verdade, vos digo: o tempo é um filtro que seleciona os melhores. Longe de mim todos os que claudicam com suas necessidades, todos os lamuriosos viciados que se perderam em seu egoísmo e covardia! E se o inverno vem me visitar, eu não o desonro, mas me esquivo de sua fria inveja! Quero que se me acerquem quem for melhor que eu para que eu possa os imitar e aprender as suas habilidades de espírito. Quero aprender a amar mais profundamente, a odiar mais profundamente, a ler mais profundamente, a escrever poesias mais belas, a ser mais belo eu mesmo, o mundo já está cheio de coisas horríveis, a cantar melhor, a compor melodias mais delicadas e belas, a ser mais forte e mais saudável. Com este voto finalizo este pródromo, amigos: que façamos da vida uma experiência de beleza e força, saúde e coragem!
Juliano
Berko, fevereiro de 2020.
Resenha - "A História da Música de Juliano Berko" (2019)
Posto aqui esta resenha nunca antes publicada do meu álbum de 30 anos de vida/15 anos de música: "A História da Música de Juliano Berko" (2019).
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Uma árvore jovem, mas
que, contudo, já atingiu o ápice da altura da sua espécie. Uma imponente Sumaúma,
cujas virtudes — e mesmo vícios — não se medem com as demais árvores ao seu
redor: sobre elas projeta sua sombra.
Representa para elas o terror daquilo que bloqueia a luz. Um grande
mal-entendido, como sabem aqueles com altura
o suficiente para o conhecimento. Mal sabem esses pequenos arbustos
ingratos que, a bem da verdade, ela as protege da virulenta radiação do sol de
um grande meio-dia. Altiva, esta
Sumaúma toma a ingratidão e a desconfiança das plantas que grassam ao seu redor
como a parte que lhe cabe. E ainda generosa: permite que mesmo aves de rapina, Uiraçu (ou Harpia, para os gregos), façam nela sua morada; pequenas orquídeas
proliferem em seus galhos, nutrindo-se de sua abundância — alegra-se de sua força e coragem, de suas cores e aromas. As suas
raízes são profundas, lançando-se em
direção à Terra com sede de saber, libido
sciendi, sensual e sagaz; entre elas se entrelaçam víboras, Sucuris (ou Hydra, para os antigos) e outros monstros que rastejam na escuridão
da floresta. Dobra-se em altura com o tronco e a copa, ansiando pelo céu do imaculado conhecimento, pura e plena
daquilo que, para tal, é condição fundamental: o amor.
Aqui se percebe como
estas contradições, que se expressam livremente na vida, se constituem
metáforas de seu próprio corpo, a sua própria constituição enquanto ser vivo
prescinde do tacanho moralismo que as renega e disfarça. Isso sabe o que se tornou mestre de si mesmo; isso aprende o que é o seu aprendiz. Aquele é Zaratustra, com sua
águia e serpente, raízes e galhos; este é o Jovem na montanha, com seu cansaço
e inveja, autocomiseração e autopenitência.
A obra que aqui se
apresenta nada mais é do que o fruto do diálogo entre estas personagens ao
longo das últimas três estações ocorridos em meu espírito que, refletindo sobre minha vida e as questões
fundamentais que me são familiares, sobre a metade da minha existência dedicada
à música — venho me tornando compositor de canções desde os 14 anos — e
sentindo a necessidade de contar a minha história e a história da minha música
— que, para todos os efeitos, é a grande tarefa da minha vida, aquilo que me é
único e indissociável. Para tal, tomo como parte estruturante da referida obra
o capítulo “Da Árvore na Montanha”, do Zaratustra de Nietzsche, transformado em
versos e musicado, dividido em quatro partes. Ora toma protagonismo o mestre,
ora o aprendiz. O mestre, já maduro, usa um tom de voz mais baixo, uma oitava
mais baixa ao cantar. O aprendiz, ainda verde, usa um tom de voz mais alto,
põe-se a gritar uma oitava mais alta ao cantar.
Esta obra foi pensada
para representar em cada canção um ou mais estilos e ritmos musicais que
constituíram a minha formação: o proto-punk
rock e power pop de minha origem
e fundação; o reggae, reggaeton, o funk e os demais ritmos de origem africana e latina; o jazz, blues e bossa-nova de
escalas pentatônicas e rítmica mais complexas; o baião, a balada, o eletrônico, o folk e o indie: todos
presentes, mais de um em alguns casos, em cada canção. Vejam meus amigos: eu já
sei quem sou e conquistei o meu
espaço. Com isso não quero dizer que disputo consciências nem que estou à venda;
nem mesmo almejo ser ouvido por quaisquer ouvidos: não sou um músico miserável
o bastante para tal. Sei que o deserto é longo, mas eu mesmo me constituí num
abundante oásis: sou o meu próprio mecenas, sou o meu próprio ouvinte! Torno-me
um animal mais raro a cada estação... Hoje mesmo meus melhores amigos e
ouvintes estão mais distantes de mim: também o encontro com eles se torna
evento menos frequente, pois, alguns dos que me acompanharam até aqui já não me
prometem grande futuro e nos estranhamos... O deserto, portanto, tornou-se
ainda maior. A Amazônia mesmo arde em chamas, fazendo do planalto central um
anteprojeto árido do futuro da humanidade industrial baseada na exportação de
commodities. De modo que se faz mister celebrar com este álbum conceitual os
meus 30 anos de vida, 15 anos de música, de profunda alegria e de criação de
sentidos e valores vivos — a despeito de toda a mendacidade e covardia da nossa
cultura decadente, refém do ressentimento mais venenoso! Para longe com ele! Sobre
tal é necessário até mesmo me impor silêncio, uma vez que algumas questões são
expostas nas canções de maneira bastante loquaz — mais não é preciso dizer.
Nesta hora de música que apresento canto, danço, rio, choro e louvo a vida para satisfazer os imperativos da existência: está aqui registrada, então, esta minha história! Estão aqui gravadas estas minhas verdades! Carpe diem, amigos! Cave musicam, irmãos!
1. The Tree On The Hill
Estão aqui registradas
estas minhas verdades! Carpe diem, amigos! Cave musicam, irmãos!
domingo, 19 de junho de 2022
7 Historietas de Amores Goianos
1. Ela tinha 14 anos e era apaixonada por um rapaz da sua cidade no interior de Goiás. O rapaz era boa pessoa, de família modesta em posses. Ela, de família renomada na cidade, com muitas posses e sentido para a acumulação.... Certo dia, o rapaz passa na rua e ela acena para ele da janela, ocasião em que é agredida por sua mãe até perfurar-lhe o intestino. É levada para Goiânia às pressas. 3 anos depois ela se casa com outro rapaz vindo do Rio de Janeiro, estabelecendo-se em Brasília, então recém-inaugurada. Esta união é aceita por ambas as famílias, contudo, a antiga paixão permanece latente em seu coração para sempre.
2. Ela o conheceu quando visitava sua irmã recém-casada na recém-inaugurada Brasília. Ela folheava uma revista "Cláudia" que deliberadamente deixou cair da janela do bloco do cunhado enquanto ele passava. Ele recolheu a revista e aguardou por ela que, ao descer para resgatar a mesma, travou o contato inicial que fundou uma linhagem inteira de filhos, netos e bisnetos. 14 anos depois ela se tornaria viúva em um acidente de carro do qual demorou meses para se recuperar (ela mordeu uma parte da língua — curiosidade: este órgão é capaz de se regenerar!). A partir de então, aproveita a vida livre para se enamorar de quem lhe aprouvesse, longe do controle dos pais e do marido, por longos 10 anos.
3. 10 anos após o acidente automobilístico que lhe fez viúva, ela, goiana radicada em Brasília, é quase atropelada por um senhor, 22 anos mais velho, quando saía da garagem do bloco dele na superquadra em que ambos moravam na asa sul. A partir de então, passou a receber o seu cortejo nos passeios da quadra. A ocasião inusitada serviu para que travassem o contato inicial da união, profundamente apaixonada da parte dele, que perdura por mais 25 anos. Ela cuida dele até a sua morte em idade avançada. Ele, que nunca teve filhos, toma suas enteadas por filhas, os filhos delas como seus netos, de forma genuinamente afetuosa e dedicada. Ele, do sertão cearense, deixou um legado de hábitos da cultura nordestina, lembranças de uma humanidade forjada no Brasil do Estado novo, contatos com ambientes requintados e com um determinado círculo da elite da burocracia e da política em Brasília.
4. Eles se enamoraram ainda na tenra adolescência, na Pirenópolis de 1972. A breve paixão, por capricho por destino, cedeu espaço para que ambos fossem viver novas relações que resultaram em seus casamentos, fundando cada qual suas próprias famílias. Ela confessou sentir, já casada, a palpitação, o coração-na-boca típico das grandes paixões mal resolvidas, quando cruzava com ele nas ruas e talvez se perguntasse secretamente se alguém seria capaz de perceber o seu rubor que lhe denunciava. Em 2020, em pleno isolamento imposto pela pandemia, ambos já separados dos seus respectivos cônjuges, retomaram o contato que reacendeu a paixão de anos atrás. Estão agora casados e rejuvenescidos em décadas pela magia do amor.
5. Eles tinham a mesma idade, cerca de 14 anos. Foram namorados na Goiás dos anos 1970. Um dia ela foge com outro rapaz aos 15 anos, aventura típica da época em que as moças de família desonravam o nome dela acaso se entregassem às paixões antes do sagrado matrimônio. Ele finda namorando e casando com aquela que era prima de sua primeira namorada, alguns anos mais nova, alguns anos mais tarde, em 1986. Têm dois filhos e se separam. Os filhos convivem com o pai esporadicamente na infância e depois passam praticamente 20 anos longe do pai, retomando o contato quando ele já está próximo do leito de morte, para honrar tardiamente esta estória dramática.
6. Ela nunca se casou. Provavelmente, faleceu sem nunca provar do fruto oferecido pela serpente que habita a árvore do conhecimento... Fora, de certa forma, escolhida pela sua família para ser a senhorita que cuidaria dos sobrinhos, da casa e dos pais até a morte. Contudo, neste ínterim, nos caminhos sinuosos apresentados pela vida, ela conhece uma moça vinda do Rio de Janeiro nos anos 1970 e que se estabelece ali na mesma cidade de Goiás, num sobrado com bela vista para a monumental Serra Dourada. Elas travam uma amizade forjada em viagens para pescarias e acampamentos à beira dos rios largos do oeste goiano — além de cigarros, muitos maços de cigarro! Aquela amizade certamente foi seu amor secreto por longos anos, até que a morte as levou para viver suas aventuras no paraíso.
7. Eles se conheceram na afamada rua da lama. Ela, menina sem origem exatamente conhecida, mestiça filha da miséria dos rincões do Brasil, é o brinquedo favorito daquele rapaz, filho de família abastada da cidade. Logo, a ardência dos seus encontros dá origem a uma criança, que cresce ali na mesma casa em que a mãe (sobre)vivia... A irmã mais velha dele descobre a existência da tal criança e a resgata, permanecendo sob seus cuidados. Alguns meses mais tarde, mais uma criança vem ao mundo fruto daquela paixão impossível. Na terceira gestação, a família dele resolve intervir para arranjar seu casamento com aquela moça, abençoando a união de ambos. Fundam uma família de gente bela e briosa. Possuíam uma fazenda de belíssima paisagem no oeste goiano, onde os filhos, netos, sobrinhos e sobrinhos netos aprenderam a observar maravilhados as infinitas belezas do cerrado.. Ela cuida dele ainda hoje, quando já claudica em sua saúde em idade avançada.
sexta-feira, 6 de maio de 2022
Uma Vez É Nenhuma Vez
1. Aves de rapina — Mais de uma vez na vida conheci mulheres na forma de aves de rapina que, com suas garras embebidas no veneno do ressentimento aos homens, quiseram arrancar minhas tripas fora e perscrutrar minhas entranhas; testar os limites dos meus instintos; tatear os contornos das minhas virtudes; avaliar a consistência da músculatura da minha vontade, como se eu fosse um concupiscente e vulgar bovino, bufando diante do tecido vermelho. Tão logo descubro essa sua suposição sobre mim, estraga daí por diante o meu gosto... Em verdade vos digo: são animais de singular beleza, rara delicadeza e a sua existência mesma é fator de enternecimento do espírito, mesmo e em especial, daqueles mais brutos. Essas mulheres espiritualizadas, de luminoso intelecto, sempre me cativaram. Contudo, como paulatinamente manifestam a intenção de me ensinar a sua moral, me disciplinar na sua dietética de hábitos e gestos, me converter a partir do seu evangelho — a sua boa-nova, uma nova culpa, adornam com as mais belas imagens e palavras — não tarda em chegar a hora em que me cansam e eventualmente me enojam. Querem me arrebatar para com isso comprovar suas teses, como se eu fosse um ambulante objeto de estudo, um homem ordinário afoito por me satisfazer! Mal sabem que me regalo em tudo aquilo que genuinamente me atrai — o que não vem ao caso.
2. Einmal ist keinmal — Deveria ser tomado como regra geral a realização de qualquer experiência mais de uma vez: apenas assim (ou nem mesmo assim!) afastamos a dúvida sobre o caráter do primeiro evento. Numa fórmula matemática: tudo 'n' vezes. Casar, no mínimo, duas vezes: descobrir com a segunda experiência se demos sorte ou azar com a primeira!
3. Em favor de Zeus — O meu desejo nunca me envergonha: essa é a recompensa que recebo da vida após anos de intensa disciplina do espírito. As canções que ouço, comidas que degusto, toda espécie de prazer que arranco do úbere da existência: Se ouço "Still crazy after all these years", "Walking with gods" não perde o sentido e o gosto para mim; quando me alimento de picanha, o camarão não se sente desprezado; quando aprecio um espetacular pôr-do-sol, como o de hoje sobre o horizonte da Ceilândia, a aurora que se sucede não se enciúma — tão magnífica é a máquina de produção da minha vontade, que sempre mais aflora do meu peito, transborda dos meus olhos. O mesmo deveria ocorrer com as mulheres que me atraem na sucessiva sequência de parceiras ao longo da vida. Porém, nada mais vergonhoso na humanidade que sua neurose sobre as diversas formas de expressão da sexualidade, degeneração esta que se manifesta tanto no fervor religioso que tortura um homossexual cumprindo a expectativa de gênero, casado com esposa e filhos, quanto no jovem casal liberal que frequenta boates de swing abobalhados pela ousada novidade, enriquecendo, com seu dinheiro e a divulgação de seus corpos, o grosseiro cafetão/traficante dono do local. Sejamos livres, pois, para fruir dos muitos prazeres da vida — sem nada dever nem se envergonhar diante de ninguém! Lætitia, meus amigos, como condição sine qua non da existência!
4. Contra toda a metafísica — Deus está morto, mas, seu fantasma ainda ronda. A estátua foi derrubada: contudo, ficará para sempre marcada na rocha a sua sombra. Com essas imagens aquele grande alemão já havia descrito o fenômeno que intento expôr: a moralidade religiosa de caráter laico. O sentimento religioso sempre foi raro e a história de todas as religiões narram nada mais do que o roteiro de peças teatrais nas quais as personagens encenam aquele sentimento, muitas vezes nunca tendo o experimentado de fato. Ainda hoje na Terra há muita empedernida moralidade das antigas religiões travestida de belas virtudes modernas. Os moralistas laicos da modernidade padecem de uma má-interpretação do corpo e dos instintos, e seus pregadores querem acorrentar à humanidade às suas próprias correntes. Deles, mantenho estratégica distância. Pra longe de mim, gente venenosa! Prefiro o meu quarto frio do que aquecer minha alma no fogo da sua fogueira! Mesmo assim, para meu secreto júbilo, resultado de profundo auto-conhecimento: em mim se manifesta genuinamente o sentimento religioso, o religare, de forma laica, materalista, com lastro na minha apreciação da história da humanidade e na minha identificação com o seus aspectos universais. Não compreendo as mentes dos guetos. Nem acredito em nada: tudo aquilo que existe me compele em sua direção para avaliá-lo, creia eu naquilo ou não. No mais, fantasminhas moralistas ("deuses") não existem.