quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Posfácio ao "Caderno de Poemas..."

Está aí, enfim, o resultado desse ano absolutamente horroroso, o pior de toda a minha vida até aqui (impensável que conseguiria ser pior, que tive que testar mais os meus limites e fundamentos afetivos, intelectuais, políticos, que em 2016! Pior, mais profundamente dolorido, mais atacado pelo forte consolo, que em 2013!)! Ah, neste nebuloso dezembro ainda não é possível me libertar da vergonha de minhas superações, do nojo de minhas descobertas, da frustração após o teste de minhas hipóteses! Como ainda é pobre a humanidade, como ainda habita um patamar tão inferior — à minha altura... Findadas estas canções eu senti necessidade de asseio: colocar isso tudo pra fora não pode ser feito sem colocar também muita sujeira, imundície. Foi um difícil — parto natural... Mais que ter vontade, eu preciso de um banho: voar de volta para 2020 e mergulhar nas águas puras que vertem das minhas obras leves, das minhas alturas, as mais elevadas cascatas do espírito humano, “Sete Copas...” e “Ruínas do Futuro”: aquele sereno olhar lançado para além de mim, soberano de mim em tudo na vida; aquela zombeteira, alegre, maldade; aquela tranquila e concisa consideração sobre os assuntos “primeiros e últimos”! Já aqui, nestes “Cadernos de Poemas...”, tudo padece do inverso: peso demais vergou meu lombo, eu, este belíssimo burro-de-carga, tive que fazer de mim mesmo mais forte do que jamais fui, portanto, mais assustador; mais corajoso que jamais fui, logo, mais imprudente; e mais estúpido que jamais fui também (Como pude consagrar, em nome do conhecimento, o meu conhecimento da vida, tantas e tão vergonhosas, dolorosas, poluídas experiências? Ah, como fui tão cruel — com quem amo, e, muito antes, comigo mesmo e com meu orgulho! Coloquei nele um torniquete e apertei pra ver até onde seria capaz de suportar e agora vejo que o mesmo sucumbiu... este posfácio mesmo lhe serve como rito funerário!). Desespero demais ressoa nestes cantos gritados no meu estúdio em Samambaia. Recomendo cautela e bom estômago pro meu ouvinte, e que seja indulgente comigo: se fiz o que fiz, foi em vigília à aurora vindoura, a amiga das musas. Agora vejo que empunhei por tempo demais a minha espada e seu peso me tirou o tônus: minha força monstruosa, desumana, de repente se perdeu e saí dilacerando a mim mesmo, incendiando todo o horizonte de minha vida. Se ao longo desta madrugada, as inspirações me foram mais soturnas e tantas vezes me apavoraram, melhor sorte pra mim no próximo ano! Cave musicam, amigos! Acautelem-se diante destas canções! Elas podem fazê-los chorar dias seguidos, se embriagar ao ponto da amnésia, se envergonhar até mesmo do seu melhor amor ou tremer de ódio e desespero diante dos dilemas e dramas da vida... Tudo isso experimentei gestando elas no meu espírito, em verdade. E, por fim, perdoem-me também tanta sinceridade: esta minha virtude foi esticada ao ponto de tornar-se um vício. Que eu recobre a maestria da sua dose adequada e que para isso me ajude a minha maldade, meu lado melhor!