sexta-feira, 22 de junho de 2018

(Alg)uma (nada) breve história sobre Juliano Berko — Parte II

Em um esforço para rememorar minha própria vida — fazemos isso quando somos compelidos a ver sentido, enxergar alguma ordem no caos... — relia alguns textos que publiquei aqui, este quase-diário virtual. Fui surpreendido ao reler esta breve autobiografia, publicada há 5 anos, e ler coisas que eu, hoje, já nem lembrava. Tomado de sentido histórico, retomo agora o desenvolvimento daquele enredo com os fatos de 2010 que por ora puder me recordar. 
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O ano de 2009 foi de muita passionalidade para mim — eu me encanto com a UnB e com Brasília, comigo mesmo e minha música e, apesar de todos os esforços, mentindo para mim mesmo, descobri que não era possível "desapaixonar" de alguém especial, aquilo que Jung chamou de anima... — e entro em 2010 transbordando. Eu tinha 20 anos: nessa idade é necessário que se cuide para que não se percam as grandes ilusões, os mais elevados ideais... Desilusões dessa espécie nessa idade são letais.

Neste meu período na UnB, descubro a felicidade da fruição da minha própria força, do meu próprio corpo: começo a participar, inicialmente, da disciplina de "prática desportiva/modalidade: caiaque" e, em outros semestres, das oficinas de caiaque comunitário. Eu já ia de vez em quando no Centro Olímpico da UnB na hora do almoço, esperando a fila do R.U. diminuir enquanto eu nadava no Paranoá, portanto, quando consegui a vaga na disputada e famosa disciplina de então, eu agarrei a oportunidade. De modo natural, ganhei a confiança do professor Tadeu, que me convidou para ser monitor da disciplina no semestre seguinte (2º/2010). 

Enquanto isso, continuei a compôr com ainda mais paixão que antes. Escrevo meus últimos poemas neste período. Assumo que sou um compositor, não mais sairiam de mim palavras que não fossem acompanhadas por música. É neste momento em que eu sintetizo minha produção dos anos anteriores na forma de 3 ou 4 álbuns, todos editados em 2010: "Lívido" e "O Poder Da Poesia", com canções desde 2005 até 2009 e poemas da safra de 2007 musicados em 2009; e "Fuga" e "Outro Mundo é Possível!", em sua maior parte escritos e compostos em 2010, representando o espírito dessa época.

Ainda em 2009 eu havia escrito "Volto a Pé do S.B.S.", um desabafo pueril de um entrevistado em estágio. Eu adorava a UnB, mas reconheço que não sabia muito bem o que eu estava fazendo por lá... Na falta de total orientação de como proceder em uma universidade, fui aprendendo com a experiência... há sempre algum desperdício de recursos nesse processo. Com o timing das eleições, o crescimento chinês do nosso PIB, a grande hegemonia política do Lulismo no debate público, o onipresente marketing político, eu retomei o projeto do "Concreto Armado", assumindo que esta seria genuinamente uma 2ª fase, mais madura, em tese. Escrevo "Outro Mundo..." nessa toada, inspirado nos movimentos de esquerda do novo milênio, nas grandes esperanças políticas que foram semeadas nos corações da minha geração — que o tempo varreu como o vento varre pó...

Ainda ouvia muito rock, mas com variações de estilos bem abrangentes. "Fuga" é um álbum de rock progressivo que ainda hoje me impressiona; tal qual mãe de homem formado, me pergunto: "como algo tão grande saiu de dentro de mim?! Como isso, que pulsa por si só, um dia bateu com meu coração?!"

Apesar de tudo, minhas esperanças na formação de uma banda e na organização de um processo seletivo de artistas da geografia para tocar no FINCA novamente foram grandes frustrações deste período. Também no aspecto mais íntimo e familiar, grandes, incontornáveis desgostos vinham à tona. Chegamos em 2011 e a sensação era de que eu tinha queimado a largada, gastado todo o gás. É neste ano que reconheço pela primeira vez em minha vida a depressão.

Era o meu instinto de saúde como o é ainda hoje: nos contextos ambientais mais desfavoráveis eu me impunha uma rigorosa disciplina do corpo — exercícios e dieta. Isso, se não impedia, ao menos retardava a instalação da depressão. Pois bem: eu ainda não dominava conscientemente estes processos, não conhecia as variáveis todas. Aprende-se a viver vivendo. Ansiando sempre por algo que não tenho em minha vida e que talvez nem possa consubstanciar-se em algo, eu me enfadei! Como é difícil superar o cansaço consigo mesmo, quantos duendes pululam ao nosso redor nesse momento! 

Já era reta final do curso e eu não sabia o que fazer. Só descubro em 2012. Eu me alimentava mal, não compreendia o básico de nutrição, o que certamente contribuiu para que eu tivesse uma distensão da minha coxa (Viram? Nem sei o nome dos músculos! Não me ensinavam isso meus professores de educação física...) direita, numa arrancada que dei para baldear na rodoviária do plano. Eu fiquei por volta de um mês acamado, entre maio e junho, se não me engano. Antes disso eu havia me resfriado por duas vezes dentre um mês. Eu estava triste comigo e com minha vida! Por um breve período, por volta de alguns meses, até mesmo no cigarro careta da indústria do tabaco eu procurei abrigo: abrigo de mim mesmo! Minha tarefa: eu fugia dela e isso me dilacerava. Minha imunidade estava ruim. Como isso pode ter mudado tão rápido, se antes eu estava apaixonado? É que nada mudava no contexto da minha vida. 

Não sem razão minhas lembranças desse ano são soturnas. Em novembro eu fazia cursinho para concursos. Era um novembro coberto por uma espessa névoa após o retorno das chuvas. Eu busquei aliviar a tensão interna sintetizando o "Concreto Armado" e o "Juliano Berko" em um mesmo álbum: "Orgânico" tragicamente soou forçado e pedi desculpas a mim mesmo. "Vão-se os anéis, ficam os dedos", diz o refrão mais digno dessa época. Eu queria me despedir da vida, me desligar de todos os contatos, começar tudo de novo. Tentei fazer isso no Natal. Por uma ou duas semanas eu fiquei ainda pior, isolado do mundo em meu quarto. Comecei a entender que não me bastava apenas dar "adeus!" à uma pessoa específica. Eu precisava estabelecer uma efetiva autonomia para minha vida. Portanto, estabeleci comigo mesmo um compromisso para 2012: reatar o namoro em outras bases, focar em uma produção acadêmica factível para poder me formar, adotar hábitos saudáveis para bem cuidar do corpo, o único templo que existe. 

A chama de uma nova esperança ardia em meu coração. Contudo, mesmo no calor de um coração quente, um verme roía suas paredes: havia algo indizível, inexprimível dentro de mim. Eu descobri o prazer de correr, perdi bastante peso, mas no fim do ano sofria de dores terríveis no joelho. Escrevi minhas 70 páginas de monografia, que não era nada de novo nem que acenasse para uma especialização, porém, na forma consagrada do pensamento científico, pude vislumbrar o que há de singular em uma produção dessa espécie. Eu estava saudável e feliz, eu me preparava para dar um salto: mais que isso, eu havia recuado alguns passos, para dar um grande salto adiante. Pleno dessa certeza, eu pari 2 gêmeos robustos e saudáveis: "Indizível" e "Futuro, Adeus!" (talvez a única grande produção sob a rubrica do "Concreto Armado"). 

Na hora do salto, no grande dia, eu levo uma belíssima rasteira da vida... Uma novidade que me arrebatou ao chão e colocou tudo o mais em minha vida em segundo plano. Contraditoriamente, era a chave que abria a porta da casa da minha mãe para o mundo: eu comecei a ser dono da minha própria vida. Já diplomado, aproveito um semestre sabático para estudar para concursos. Passo nas provas para professor (temporário 2013/2014 e efetivo) sem o menor esforço. O primeiro salário na minha conta: recompensa por me sequestrarem 36 horas da minha semana enjaulado numa escola. O trabalho me impacta de modo profundo. Eu me sinto traído pelo mundo. Eu, que era um jovem com todo o tempo do mundo e sem nenhum centavo no bolso, de um hora para outra sou capturado por uma obrigação contratual terrível, impositiva, violenta e assustadora, pois, indispensável: o trabalho. Logo de cara o que quer que havia de ilusão com relação ao meu emprego foi embora. Eu em encaminhei para a educação por um único motivo: a minha música não tinha para onde fluir... Como todo professor, o primeiro mês de serviço era repleto de pesadelos com o motivo escola. O primeiro ano é sempre horrível. Mas fazia o que eu conseguia, o que eu podia, com um senso pragmático muito claro: eu tinha uma filha vindo ao mundo e eu queria dar à ela as condições propícias para o desenvolvimento das suas plenitudes. 

No confronto entre trabalho, paixão, vida afetiva e sexual, família, boletos e vícios, era óbvio para qualquer um que algo em mim sairia perdendo... 2013 foi o último ano em que eu componho mais de um álbum. Era junho e tudo aquilo que estava acontecendo e que eu estava sentido me subiu a cabeça. Ainda subjetivava a música de forma dissociada: política e afetos são diferentes... mas já desconfiava que não era assim, na verdade, que a vida psíquica poderia ser diferente. Quando eu componho eu acesso algo que não é visível a ninguém, atinjo um estado elevado de consciência, no qual nada mais importa, não há mais dor ou prazer, há plenitude... Portanto, pari outros 2 gêmeos robustos, mas mais pessimistas, é verdade: "O Mundo do Trabalho" e "Aeternum Phoenix". 

Eu vivia extremamente angustiado. Portanto, além dos velhos maus hábitos, adquiri alguns novos vícios. Tive uma ferida na boca que não sarava. Durou longos 6 meses. Um dia fui na odontologia do posto de saúde próximo de casa para ouvir de uma incrédula odontóloga de olhos perscrutadores que era só eu parar de passar a língua na afta que ela desapareceria. Eu me senti ridículo: por que eu não pensei nisso antes? Será que eu estou tão imerso em meus problemas que nem meu corpo eu escuto mais?! Pois a afta desapareceu. E nunca mais retornou. Uma parte desta ansiedade se dissipou com o nascimento da Aurora: todo o simbolismo desse momento é incomunicável e eu não vulgarizaria algo tão sagrado para mim. Era como se o sol nascesse diante de mim: um sol que me iluminava novamente! Eu não posso me esquecer do júbilo excelso que experimentei apenas sentindo o calor do sol na minha pele em um santo dia! Eu, que ideava o suicídio diuturnamente neste período, buscando auxílio profissional de uma psicóloga (mas ela era linda demais, me dava tesão demais, não funcionou... já falei disso aqui), entendi que deveria ir até o mais profundo, encarar corajosamente meus medos: a escuridão se dissipou! Tudo tornou-se mais sereno. Eu tornei-me mais forte. Eu retomei o controle de minha vida e refiz meus planos. Não era nada como eu havia sonhado, mas o trabalho, este grande monstro, me dava condições objetivas de fazer planos para minha vida. 2014 foi, então, um ano pragmático, de traçar metas e prazos e escolher métodos para encaminhar minha tarefa. Vejam só! Eu tornei-me amigo da minha tarefa! Eu passeava com a minha sombra, dançava com ela, chorava com ela, transava com ela... Muitos mistérios revelaram-se para mim desde então. Eu escrevo "Prometeu" sob este signo. Eu pari o meu filho mais feliz, "Além de Mim" neste sereno ano. 

Os últimos 4 anos de minha vida foram seguramente os mais livres e plenos de minha vida, apesar dos rodeios da minha saúde mental, como se pode perceber ao longo deste relato mesmo, muito frágil. Silencio por ora. "Devemos falar apenas do que não podemos calar; e falar somente daquilo que superamos — todo o resto é tagarelice, "literatura", falta de disciplina.", já sentenciava um majestoso alemão em setembro de 1886, cuja citação deixo como belo ocaso para findar este capítulo da história.

"Meus escritos falam apenas de minhas superações: "eu" estou ali, com tudo que me era hostil, ego ipsissimus [meu próprio eu], até mesmo, se me permitem uma expressão mais orgulhosa, ego ipsissimum [meu mais íntimo eu]. Já se adivinha: eu tenho muito — abaixo de mim... Mas sempre foi necessário antes o tempo, a convalescença, a distância, até que em mim nascesse o desejo de explorar, esfolar, desnudar, "apresentar" (ou como queiram chamá-lo) posteriormente, para o conhecimento, algo vivido e sobrevivido, algum fato ou fado próprio."

(Nietzsche, "Humano Demasiado Humano II", Prólogo, I)

A Morte Como Um Preconceito

A morte como um preconceito — Bem mais de uma vez na vida já se ouviu falar assim: "Se este morto realmente valesse tanto, não teria morrido desta forma (jovem, doente, louco, etc.)!" — Quando, para o bem da verdade, cada época e lugar estabelece critérios próprios para valorar o tipo humano, sendo que o ponto final da vida é um signo deste valor. Dada a forma e contexto de cada morte o destino pode ser tido como grande ou desprezível — a depender dos valores que cada cultura cultiva. Hoje, muitos conservadores ainda travam sua batalha contra nossa modernidade decadente utilizando sua última arma: caluniando mortos. Sejam eles os aidéticos, os drogados, os suicidas, os gays — cada morte proscrita é uma alusão à medíocre vida prescrita

O caso Frederico — Frederico morreu louco na indignidade do leito da sua família, tendo pregado a "morte livre, que vem quando eu quero". Simplesmente, ele era alguém que nasceu cedo demais. Houvesse nascido um século e meio depois ele viveria a época do amor livre e os antibióticos: tudo o suficiente para uma vida mais plena para um homem do seu tipo. Compreendendo este impedimento no seu contexto para a satisfação de sua vitalidade, escolheu perecer. Moral da história: a vitalidade mais elevada, entalhada em orgulho, busca seu ocaso caso o mundo não ofereça as condições mais propícias. "Os medíocres duram mais" — já foi dito em 1886!

O Que Há De Mais Cruel No Mundo

1. O que há de mais cruel no mundo: não poder-se mais chorar em público sem ser importunado pelos corações compassivos e seu veneno: uma inconveniente atenciosidade: "O que aconteceu? Posso te ajudar em algo?". 

2. No fim das contas, é uma forma de enfraquecer aquele que sofre: "Não te tornes duro demais! É bom sentir-se injustiçado, nos torna indulgentes com nossas próprias falhas!"
 
3. Uma pessoa orgulhosa deveria expulsar os compassivos de um golpe só: "Que te interessa se carrego uma cruz? É a minha cruz! Tu, compassivo venenoso, não tem nada o que ver com ela! Não teria forças sequer para ouvir a sua descrição, contemplar tua grandiosidade, muito menos para carregá-la! Reduza-se a sua insignificância! Minhas lágrimas e soluços são mais férteis que teu balbucio bajulador!"

4. O compassivo se vinga dos orgulhosos: tornam-se sacerdotes, apelam para o "sentimento de uma moral superior". O sacerdote quer criar culpas e culpados; o compassivo, sofrimento e sofredores.

Da Natureza Da Inveja

Quando a admiração encontra um obstáculo, tomba e não consegue mais se levantar pra seguir seu objetivo — o objeto admirado — ela se vinga: transforma-se em inveja.

A Mais Honesta Pessoa

Assim fala a mais honesta das pessoas: "O que me ofende? A verdade. Quem me ofende? Quem fala verdades para ou sobre mim."