domingo, 17 de janeiro de 2016

Honestidade, a Minha Estupidez

Pois, "toda virtude tende a estupidez".

Agora à noite me atacava um sentimento terrível. Já havia me alertado Zaratustra: há sentimentos que querem assassinar o solitário. Saí de casa - e que isso sempre me signifique: sair à caça - em busca de alguma alegria e tive, não a que ansiava, mas, melhor ainda, uma inesperada: compreendi melhor um aforismo do "Além do Bem e do Mal":

"Quando se tem caráter, tem-se também sua experiência típica, que sempre retorna" [Nietzsche, Capítulo IV, "Máximas e Interlúdios", 70.]

Pois bem: saía a caça - me questionava sobre o problema do eterno retorno: seria, como defendia Deleuze, o eterno retorno do diferente; ou, como defendem outros - e é textualmente mais explícito em Nietzsche -, o eterno retorno do mesmo?

Quando eu, com aquilo que tenho demais humano, vagava por aí, dentre os meus pensamentos, descendo a avenida Araucárias, talvez até acima da velocidade preconizada pela lei para esta via na minha bicicleta - o meu motor de um único cavalo... -, lembrei-me daquele aforismo: era justamente ali, naquele momento, que eu tinha a minha experiência típica - reescrevendo a tradução, eu talvez acrescentaria: "quando se é honesto quanto ao próprio caráter...". Lembrei-me no mesmo momento de um certo evento - em absoluto, muito pouco memorável - da minha infância e que, na estrutura, se repetia: a minha disposição fisiológica compelia meus afetos para apontarem para a mesma direção de vinte anos atrás - ó, que divino sentimento que me recupera da morte!

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A: Vieste até aqui - de bicicleta?
JB: Ora, e de que outra forma eu viria? Eu comigo tenho meus próprios pensamentos que a ninguém mais cabem - seriam no todo e no fundo mesmo indizíveis; saibas apenas que meu orgulho é um tanto maior que a minha vaidade e, no fim das contas, de que outro modo eu disfarçaria-me ante este mortais - eu, que sou um deus? 

A: Quanta presunção! O que por ventura faria de ti um imortal? 

JB: Para ser honesto, uma ofensa à sua inveja: a minha obra - meus genes que se perpetuarão; minha arte que será lembrada através dos séculos como brilho áureo deste tempo de miséria da cultura!

A: Por que ainda perguntei-te?! Era melhor guardar comigo o meu asco para contigo!

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Portanto, de volta ao problema - e, acrescento, é um problema que tem seu tempo: em determinadas condições subjetivas, psicológicas e fisiológicas ambas as interpretações valem. Tanto 1) o eterno retorno do diferente - vislumbrando um tempo de condições favoráveis à experiência, à tentação daquilo que é diferente - que desafia nossa resposta afetiva mais tradicional - e, como radicais, tanto eu quanto Deleuze, talvez para lá é que nos forçamos, quase sempre; 2) quanto o eterno retorno do mesmo, quando, na análise das condições da experiência empírica, sentimos que não vale a pena colocar em risco o nosso orgulho - não procurar na rua, dentre as sujeiras do mercado público, aquilo de que a nossa economia doméstica já está abastecida. Ou, em outra fórmula, já elaborada por aqui: zelar pela abundância sem errar pelo excesso.

[Redescobri, também - a partir, novamente, de uma outra experiência típica minha - que eu gosto mesmo é de desafiar os campos dominantes de um acorde na elaboração da melodia. Quase sempre junto uma quarta ou segunda ou sexta nota à um acorde que, por si próprio, foge do campo harmônico do tom da canção de que faz parte: encontrei aí, hoje, o meu refrão.]

Tenho tudo daquilo que preciso em casa: internet, meu violão e diversos gêneros alimentícios. Todo o mais seria excesso. Não preciso satisfazer aquele sentimento que queria me matar: eu mesmo cravo fundo nele o meu punhal! Não preciso - nem devo - buscar o fetiche da mercadoria ou a reificação das relações sociais ali, onde eles se oferecem, dentre o rebanho! Hoje, encontrei o eterno retorno de mim mesmo: faço o que precisar ser feito sozinho - o que me faltar aqui, que se complete com o meu orgulho.

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