Devo dizer - a honestidade, a minha estupidez, me impede de proceder de modo diverso - que não discordo, fundamentalmente, de Nietzsche, primogênito que não viveu o século XX, todavia, pretendo atualizá-lo neste ponto: não é apenas alguma forma de escravidão uma precondição, como ele dissera em "Além do Bem e do Mal", para a elevação da cultura. Nós, os que temos um olhar privilegiado, daqui da adolescência do século XXI, devemos dizer: para toda a elevação da cultura é imprescindível uma ditadura.
Quanto ao problema da escravidão: o que pode haver de louvável nos povos da África sequestrados para servir de instrumento barato para a acumulação primitiva na América é, justamente, a resistência e a luta. Tanto que é lembrado Zumbi, guerreiro que, por seu sentido de nobreza, não aceitava a condição da escravidão, e teve seus próprios escravos... O que o marxismo mais caricato não compreende: a escravidão não é apenas um fenômeno econômico, é, sobretudo, moral - psicológico. Da mesma forma, o que pode haver de louvável num rato assalariado que tem como perspectiva de vida, horizonte de planos de ação adquirir renda estável e contrair empréstimo bancário para comprar o seu imóvel próprio, gastar seu salário no shopping, nas coisas da moda, etc? Ora! Essa é a evolução tecno-política da escravidão! Já nem é dada aos Senhores a inconveniência de cuidar da casa e da comida do seu cativo: "Dêmos-lhes uma coisa chamada salário e eles que se virem!"
Justamente, o primeiro assalariado a merecer honra é o grevista, por mais pueril que ele seja, e aquele que não aceita e não se sujeita à essas condições - sobre a porta desse o futuro pendurará guirlandas!
Portanto, reiterando: não apenas alguma forma de escravidão é necessária para o desenlace da teia da dialética do sentido histórico. Nós, os que temos um olhar privilegiado, daqui da adolescência do século XXI, devemos dizer: para toda a elevação da cultura é imprescindível uma ditadura.
E para confirmá-lo nem é preciso sair de casa: veja-se o Brasil que dentre as décadas de 1960, 70 e 80 produziu suas mais elevadas formas de cultura em cinco séculos - teatro, cinema, literatura, poesia, música - um tanto antes, muito pouco, quase nada depois dessas três décadas - e que, hoje, celebrando trinta anos de democracia, é uma gigantesca fábrica de mediocridade, exportador de "commodities-da-cultura", i.e., lixo para embalar as noites estrangeiras - por isso mesmo não menos medíocres que as nossas. O que é a nossa cultura hoje? Nossa música? O que vem à tona: não é um refugo? Não é esse o sentido do gosto democrático: revirar o fundo do poço para que todos possam ter acesso ao que nele apodrece?
Para não correr o risco de soar (ainda mais?) elitista, não vamos comentar sobre a profusão de funks das periferias urbanas: seria desleal - são moleques desprovidos dos meios da elevada cultura, em outras palavras, são escravos. O que mais me interessa é a pobreza estética que se identifica mais rapidamente com nossas camadas econômicas médias e altas: aquilo que se chama por convenção de "sertanejo", apesar de todo abuso da lógica, toda a violência contra a histórica da cultura caipira. É fato: parece-me que essa indústria cultural tem seus tentáculos nos nós, nos pólos da agroindústria, onde o grande capital nacional aufere e amplia seus lucros, na esteira da desindustrialização brasileira e na aposta do petismo em exportação de commodities e, dali, segue para os grandes centros urbanos a partir dos fluxos de trocas de valores inerentes ao urbano-rural, talvez ainda mais no caso brasileiro - aqui, não haveria urbano sem o rural (a industrialização de algumas sociedades suprimiu o rural dentro de seus limites, deslocando geograficamente suas necessidades de ativos agrários, por vezes ao vizinho, ora ao estrangeiro mais distante). Pois bem: existe, hoje por sobre a face da Terra, alguma experiência estética mais miserável? Algo que apequene ainda mais a vida do rebanho? Fica aqui registrado o meu desgosto.
Queremos mais? Façamos uma visita aos jardins dos nossos vizinhos: a Argentina, cuja música popular é representada por um Fito Páez (Um parênteses aqui: quem no Brasil é dessa estirpe? Precisaríamos fundir alguns de nossos melhores metais para atingir tal nobreza; um Renato Russo, talvez, se estivesse ainda vivo - que foi reconhecido desde os Paralamas do Sucesso à Caetano Veloso, portanto, pode até estar acima deles), teve seu período de produção intensa também durante o seu ciclo de ditadura. Desnecessário dizer, até os postes sabem, mas é sempre bom lembrar: na Argentina se lê muito - no Brasil não se lê.
Queremos mais? Façamos uma visita aos jardins dos nossos vizinhos: a Argentina, cuja música popular é representada por um Fito Páez (Um parênteses aqui: quem no Brasil é dessa estirpe? Precisaríamos fundir alguns de nossos melhores metais para atingir tal nobreza; um Renato Russo, talvez, se estivesse ainda vivo - que foi reconhecido desde os Paralamas do Sucesso à Caetano Veloso, portanto, pode até estar acima deles), teve seu período de produção intensa também durante o seu ciclo de ditadura. Desnecessário dizer, até os postes sabem, mas é sempre bom lembrar: na Argentina se lê muito - no Brasil não se lê.
Deveras, deveríamos, todos os latino-americanos, elaborar um
reconhecimento público de agradecimento à Washington: o que seríamos
nós, pobres Estados semi-feudais, de baixa industrialização e, no caso
brasileiro, sub-imperial, sem as nossas ditaduras? Onde enfiaríamos o
orgulho da nossa esquerda? No trabalhismo nacionalista dos anos 1930-50?
Ele não caberia lá... Somente a ditadura pôde dar sobrevida ao ideal da aventura
comunista no Brasil: jogando-os de aviões, fuzilando-os no Araguaia. Até
a maior estupidez ganha alguma honra tornada mártir. Não é diferente
neste caso.
Queremos atravessar a rua? Inglaterra: para não sair do escopo da música, todo o grande momento do rock britânico é filho dos enfrentamentos políticos daquela sociedade: o punk como reação aos movimentos de financeirização da vida e privatização de partes do Estado na Era Thatcher; Beatles, Stones, Who... como filhos do Baby Boom após, simplesmente, a 2ª Guerra Mundial; uma geração a qual todo o Ocidente deve o ideal da Contra-Cultura.
E por que, justamente, as coisas são assim - desde a antiguidade clássica até hoje? Ora! Retomando a linha de pensamento de Nietzsche: a democracia produz algo, talvez aquilo o que ela produza de pior: muitos impotentes rancorosos, moralistas, censores da vida e da potência alheia; em suma, a igualdade anseia por um tirano que satisfaça suas frustrações. Uma vez o tirano colocado em seu posto, o cinismo de nossa Era chama de ditadura: o terreno mais fértil para a elevação da cultura, onde os fortes e os potentes são testados e, por assim dizer, provocados.
Que venha a "vox populi, vox dei"! Eu já estou enfastiado de esperar, contudo, ainda me divirto - uma diversão miserável, talvez - rindo do rebanho!
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