Adentro aos portais do verão, a estação da luz; atravesso o solstício que se acena nos próximos giros dos ponteiros do relógio, pela 26ª vez nesta vida. Amanhã será o dia mais longo do ano. Depomos contra a vida, ofendemos o sentido da Terra, apreendendo maldade nesta metáfora. Contudo, quê posso fazer a essa altura da noite - arrancar-me o coração do peito? Num descuido, eu o faria, talvez - como já fizera uma ou outra vez. Amarrá-lo com fios de aço, apertar suas artérias e veias de modo que sangre o menos possível - também já o fiz muitas vezes, faço-o com ainda mais força agora, deveras. Depois de hoje, amanhã será o dia mais longo do ano... E já tive tantos outros - e ainda mais cedo este ano...
Há pessoas que por uma ventura da existência, um acaso fisiológico, um metabolismo do espírito, vivem muito em muito pouco tempo; têm experiências diversas, enchendo todos os bolsos do dia, reiteradamente. Assemelham-se me a musaranhos, ou qualquer outro mamífero primitivo, que têm de viver correndo atrás de alimento o dia inteiro, todos os dias, e se colocam sempre em risco por uma fatia de vida, uma migalha, e mais outra; agora, daqui a pouco; aqui e ali, "na casa de quem? a que horas?"; etc. E, vivendo muito irrefletidamente, aprendem muito pouco, pois, têm pouco tempo para si mesmas. O que, em todo o caso, não é nem bom nem mau, necessariamente. Simplesmente é assim.
Eu, que sou um predador, tenho porte - tamanho e força - a natureza, em tempos longínquos, já foi mais generosa para o meu tipo: hoje, preciso dispor de intercaladas longas estações - de caça e de hibernação. Aquilo que eu tomo para mim, destroço, dilacero; dela faço minha carne, meus ossos, minha tez - digiro longamente, absorvendo tudo o quanto me for necessário. Eu, um urso polar - tão branco e frio quanto o gelo; tão glacial que, desconfio, queimo quem me tocar inadvertidamente -, desperto no verão para caçar o meu alimento. Eu, que há dois verões decidi que ainda valia a pena continuar vivo, adentro essa madrugada não sem salivar sedento pelo meu banquete; não miro as estrelas - que, contra todo o senso comum, giram orquestradamente no espaço ao meu redor - sem sangue nos olhos. Lascivo? Virulento? Talvez, provavelmente, melhor que seja assim.
Sepulto 2015 numa cova profunda, por sobre a qual lanço desde já sementes de flores e frutos deveras perfumados e nutritivos, no coração - aquela terra em que ninguém pisa.
Sepulto 2015 numa cova profunda, por sobre a qual lanço desde já sementes de flores e frutos deveras perfumados e nutritivos, no coração - aquela terra em que ninguém pisa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário