domingo, 22 de novembro de 2015

Castrados

Uma ex-aluna compartilhou no facebook uma postagem de uma página que faz proselitismo da castidade nos namoros adolescentes ("Namoro com propósito" é o nome da página) em que havia uma citação atribuída a Caio Fernando Abreu.

A citação é a seguinte: 

"Insistir naquilo que já não existe é como calçar um sapato que não te cabe mais: machuca, causa bolhas, chega à carne viva e sangra. Então é melhor ficar descalça… deixar livre o coração." [Caio Fernando Abreu]

Achei tão curioso uma página "cristã", que faz essa propaganda de castração das pulsões dos adolescentes, se utilizar de uma mensagem profundamente anti-cristã... tal qual o próprio Cristo crucificado: "Meu deus, por que me abandonaste?", que deveria ser lida: "Meu ídolo, por que você não existe mais? Nós o matamos? Ou você nunca existiu de verdade? Por que minha ilusão não se sustenta mais?"

Aí está uma coisa que me tem chamado a atenção recentemente: como o senso comum cristão ignora solenemente essa passagem da crucificação, tomando Jesus por um fraco qualquer, que tremeu quando lhe atravessaram os pregos. Quando, pelo contrário, nessa interpretação deveras travessa, é precisamente este o grande momento do mítico Cristo.

A mensagem da citação supostamente de Caio F. Abreu e do Cristo crucificado é, fundamentalmente, a mesma: descalce o sapato apertado, desça da cruz na qual te pregaram; aquilo no que insistíamos já não existe mais (ou nos apercebemos nunca ter existido...); não há, em absoluto, nenhuma razão no sofrimento; apesar de, sobretudo, a "dor profunda enobrecer". Lembrando novamente Nietzsche, para quem Jesus fora "o mais nobre dos judeus".

Ora, não é justamente nisso em que está assentado o edifício histórico do cristianismo: inverter a lógica por trás de tudo o que pregava aquele que morreu pregado? Nas entrelinhas, nos dizem há dois mil anos: "Pequemos um pouquinho de vez quando! De qualquer forma, o domingo de missa, o culto evangélico, ou qualquer bobagem como penitência nos irá redimir e limpar nossa consciência!"

De minha parte, nunca frequentei essas naves escuras, essas máquinas de lavar consciência, esses "túmulos e monumentos fúnebres de deus" a que chamam de Igreja; sempre me pareceu um espetáculo horroroso de profunda hipocrisia. Pobre daquele ingênuo que morreu pregado! Tivesse ouvido Zaratustra e ficado no deserto, teria aprendido a rir e abjurado da sua doutrina.

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