Por que será que, para onde quer que eu olhe, enxergo honestidade apenas na última hora do dia - aquela imediatamente antes da meia-noite? Por que reconheço mais humanidade nos gritos, suspiros e gargalhadas trôpegas pelos becos do que nos sóbrios gracejos, lamúrias e frustrações mal disfarçadas do horário comercial?
Por que será que tratamos a honestidade como tratamos a música; o sexo; a atividade de aprimoramento físico; a leitura como aprimoramento espiritual; a diversão que eleva, mas não distrai; a alegria que justifica, mas não legitima a dor: como aquilo que merece apenas o que sobrar do nosso tempo de não-labor? Ó, com quanto cansaço não impregnamos tudo aquilo que redime a existência! Ainda assim - tal qual a arte no aforismo 170 do "Andarilho e Sua Sombra" - esses elementos da vida não nos abandonam à nossa própria miséria: o que é um traço denotando sua nobreza.
Na falta de metais mais nobres, tampas de cerveja tornam-se as insígnias da nossa liberdade - "in vino veritas": há alguma verdade aí; uma verdade ébria, deveras.
Talvez no dia em que não mais necessitemos perceber a escassez para mensurar o valor daquilo que é bom, então, tudo isso que hoje escondemos do olhar terrível do ídolo labor, que exige sempre, como ofertas e sacrifícios, a produtividade, aparecerá para a luz do sol de um formoso meio-dia, ocupando o lugar de destaque na nossa rotina, habitando uma sombra generosa da árvore da vida. Para tanto, tudo aquilo que é excesso e supérfluo na nossa própria natureza deverá amadurecer, ser fruído e, quando necessário, apodrecer para lançar à terra aquilo que por ele é escondido, que gera o novo: a semente.
Que esse dia luminoso dure apenas uma fração do relógio despótico - que seja! Que é o relógio para medir o tempo daquilo que importa na vida?! - mas que o seu júbilo, que é o mais elevado, possa redimir também a inteira existência presente.
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