Ou - respeitando a memória de Nietzsche que rechaçaria qualquer rótulo (com toda a razão e não é essa a minha intenção) - porque sou um nietzscheano de esquerda.
Em toda a sua obra, do "Humano, Demasiado Humano" (1878) a "O Anticristo" (1889), Nietzsche explicita diversas vezes o seu anti-socialismo. Ele capta nas sutilezas dos discursos e práticas socialistas 1) a apologia a um poder totalitário, centralizador; 2) afetos negativos - vingança, inveja, etc. - que denotavam impotência, o mal dos escravos; 3) e, de modo geral, equiparava os socialistas aos burgueses no âmbito da moral - disputavam ambos o mesmo campo de valores (sobre este aspecto, no início do "Aurora" [1881] há uma breve referência aos camaradas anarquistas). Os burgueses seriam os escravos que se rebelaram primeiro, seguidos no calcanhar pelo proletariado.
A despeito de diversos aforismos que se debruçam sobre estas questões, principalmente no livro de 1878, em toda a sua obra não há uma crítica, nem uma única palavra sequer acerca das ideias de Marx, o teórico que passa ao século seguinte como fundador do assim chamado socialismo científico - um silêncio ensurdecedor.
Aquele que sabe ler as pessoas percebe que, muitas vezes, quanto aquilo em que elas calam, elas mais falam. A proposta de tresvaloração dos valores de Nietzsche não me parece muito distante, objetivamente, da proposta de superação das dicotomias da sociedade burguesa - capital (burguesia) x trabalho (proletariado) - em Marx. Apesar de colocadas de formas diferentes, os horizontes delineados pelas duas perspectivas reservam-se similaridades. Nietzsche vem pelo debate ideal, isto é, moral; enquanto Marx pelo debate material, ou seja, econômico.
O problema do marxismo é que ele se assemelha a uma religião, com cisma do oriente e tudo o mais. Contra todo o senso comum que se apregoou ao longo do século passado nos círculos comunistas, o ideal marxiano - com a liberdade que me permito para interpretá-lo e criticar todo um século de lutas - é de superar aquela dicotomia a partir do proletariado, em um processo histórico - a "Revolução Comunista" - que depura essa classe, quando então, será abolido o trabalho, que é o núcleo do processo de gênese do capital - forma de relação entre as coisas e pessoas com objetivo de lucro, simplificadamente. Deste modo, não haveria mais proletariado enquanto classe - esta só existe em oposição à burguesia. A Revolução Comunista superaria as contradições entre burguesia e proletariado. Mais ainda e em outras palavras: sob o comunismo não existiria o proletariado. O ideal da "Ditadura do Proletariado" é uma interpretação que vem a ser encampada sem o menor pudor a partir de Lênin e a fundação do marxismo-leninismo, que ainda é levado a sério por algumas tarântulas perdidas por entre as estantes de bibliotecas empoeiradas...
Voltando à Nietzsche, para ele há ao longo da história a luta entre duas moralidades: a nobre e a escrava. De forma resumida, ele elogia todos os ideais nobres - força, beleza, inteligência, altivez, gratidão, etc. - enquanto desdenha dos ideais escravos - igualdade (identificada com igualitarismo, a supressão das singularidades), humildade (identificada com a mediocridade, a supressão do esforço de superação), etc. Na trilogia "Além do Bem e do Mal" (1886), "Genealogia da Moral" (1886) e "Crepúsculo dos Ídolos" (1887) ele certamente se aprofunda nestes temas, mas não posso comentá-los, pois, ainda não os li.
Em todo o caso, no "Ecce Homo" (1888) há várias passagens que sugerem que Nietzsche não era um conservador - justificador do status quo - ou mesmo um romântico - restaurador da ordem antiga -, mas que o seu elogio se dava à uma ideia de nobreza de caráter. A passagem sobre o "jovem príncipe" do I Reich a quem ele não daria o privilégio de lustrar suas botas é a que melhor ilustra esta interpretação. Há uma bela descrição do filósofo Epiteto - nascido escravo - no "Aurora" que, com determinada reverência, corrobora novamente com aquela visão. Todo leitor nietzscheano honesto sabe disso.
Aquele que sabe ler as pessoas percebe que, muitas vezes, quanto aquilo em que elas calam, elas mais falam. A proposta de tresvaloração dos valores de Nietzsche não me parece muito distante, objetivamente, da proposta de superação das dicotomias da sociedade burguesa - capital (burguesia) x trabalho (proletariado) - em Marx. Apesar de colocadas de formas diferentes, os horizontes delineados pelas duas perspectivas reservam-se similaridades. Nietzsche vem pelo debate ideal, isto é, moral; enquanto Marx pelo debate material, ou seja, econômico.
O problema do marxismo é que ele se assemelha a uma religião, com cisma do oriente e tudo o mais. Contra todo o senso comum que se apregoou ao longo do século passado nos círculos comunistas, o ideal marxiano - com a liberdade que me permito para interpretá-lo e criticar todo um século de lutas - é de superar aquela dicotomia a partir do proletariado, em um processo histórico - a "Revolução Comunista" - que depura essa classe, quando então, será abolido o trabalho, que é o núcleo do processo de gênese do capital - forma de relação entre as coisas e pessoas com objetivo de lucro, simplificadamente. Deste modo, não haveria mais proletariado enquanto classe - esta só existe em oposição à burguesia. A Revolução Comunista superaria as contradições entre burguesia e proletariado. Mais ainda e em outras palavras: sob o comunismo não existiria o proletariado. O ideal da "Ditadura do Proletariado" é uma interpretação que vem a ser encampada sem o menor pudor a partir de Lênin e a fundação do marxismo-leninismo, que ainda é levado a sério por algumas tarântulas perdidas por entre as estantes de bibliotecas empoeiradas...
Voltando à Nietzsche, para ele há ao longo da história a luta entre duas moralidades: a nobre e a escrava. De forma resumida, ele elogia todos os ideais nobres - força, beleza, inteligência, altivez, gratidão, etc. - enquanto desdenha dos ideais escravos - igualdade (identificada com igualitarismo, a supressão das singularidades), humildade (identificada com a mediocridade, a supressão do esforço de superação), etc. Na trilogia "Além do Bem e do Mal" (1886), "Genealogia da Moral" (1886) e "Crepúsculo dos Ídolos" (1887) ele certamente se aprofunda nestes temas, mas não posso comentá-los, pois, ainda não os li.
Em todo o caso, no "Ecce Homo" (1888) há várias passagens que sugerem que Nietzsche não era um conservador - justificador do status quo - ou mesmo um romântico - restaurador da ordem antiga -, mas que o seu elogio se dava à uma ideia de nobreza de caráter. A passagem sobre o "jovem príncipe" do I Reich a quem ele não daria o privilégio de lustrar suas botas é a que melhor ilustra esta interpretação. Há uma bela descrição do filósofo Epiteto - nascido escravo - no "Aurora" que, com determinada reverência, corrobora novamente com aquela visão. Todo leitor nietzscheano honesto sabe disso.
De modo que, para mim, quando Nietzsche nos falava do seu anti-socialismo não é preciso muito esforço para lembrar que o socialismo foi jogado na lama por muitos de seus partidários, o que nos acostumamos chamar de social-democracia. É só lembrar que temos no Brasil o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB, fundado a partir de uma dissidência da antiga UDN) que eu me declaro anti-socialista sem muito esforço. É reconhecer que as experiências comunistas do século XX - sem julgar moralmente a história, que é soberana - encontraram rapidamente os seus limites circunscritos dentro de si mesmas, e que não devem se repetir. Afinal, seria ou tragédia ou farsa. Para a construção do futuro em comum deverão ser forjados novos instrumentos a partir das práticas dentro das questões latentes da humanidade hoje e em cada recanto do mundo.
Sobre a despeitosa e absolutamente infundada associação entre Nietzsche e o nazismo, deixo um silêncio tumular sob o qual devem revirarem-se os restos mortais de sua irmã, aquela cidadã de bem, boa cristã, quem difamou o filósofo, editando canalhices postumamente e posando ao lado do Führer.
Até aqui - com as leituras do "Nascimento da Tragédia" (1872), "H, D H", "Aurora", "A Gaia Ciência" (1882), "Assim Falou Zaratustra" (1883-5), "Ecce Homo" (1888) e "O Anticristo" (1889) - podemos dizer com segurança - e alguma liberdade poética - que o esforço que Nietzsche fez, em vida, para que suas contribuições fossem reconhecidas levou-o à loucura. Um século ainda é muito pouco para fazer-lhe as devidas honras. Para quem não tem a digestão lenta, capaz de degradar longas cadeias de moléculas de nutrientes, não se recomenda sua leitura. Quem não tem a casca grossa, que não passe perto de sua retórica dilacerante!
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