terça-feira, 15 de março de 2016

"Amor": Máscara Mortuária

Em determinadas épocas de nossas vidas, em determinados contextos, tudo aquilo a que chamamos de amor adquire o aspecto de uma máscara mortuária: uma arte feita com o mais nobre material dentre os quais não faltam muitas cores - mas, que, na verdade, esconde um cadáver. Seria preciso crer na vida eterna - mais ainda, querer conservar aquilo que, feito com paixão de artista, por dentro apodrece embebido em essências - para querer amor de tal espécie por perto. Melhor seria vê-lo num museu! A fênix, que prefere morrer para nascer de novo a viver eternamente, perece dentre a sua mirra. Assim é meu amor: uma fênix - meu amor por mim.

Há tantos enganos correntes acerca da antiguidade, com efeito, acerca da humanidade superior... Os grandes imperadores, os mais nobres dentre eles, um Alexandre da Macedônia, por exemplo, eles perguntariam: "Monogamia, o que é isso?" e se apavorariam e se enojariam da descrição desse contrato entre o rebanho de ressentidos, dessa celebração mútua da escravidão ser elevada à condição de ideal - coisa que, por sorte do acaso, por enquanto ainda não está em franco desuso. "Ciúme, o que seria?", questionariam a si mesmos e se prostrariam e rangeriam os dentes contra aquela visão asquerosa que ofende o seu bom gosto, pois, para eles - para nós - o que poderíamos chamar de "ciúme" é um teatro, um ritual simbólico para denotar o nosso poder, a nossa propriedade e é sempre um charme, ou seja, uma potência de afetos alegres, nunca uma cobrança, uma ameaça violenta encharcada em afetos tristes.

É provável que a existência dos haréns de cortesãs dos imperadores não fossem devido à sua lascívia descontrolada - pelo contrário! Minha tese é a de que seu gosto era tão apurado, tão refinado, que nas noites mais exigentes seu apetite não se abriria mesmo no mais completo dos banquetes; seu olfato não se agradaria mesmo no mais repleto jardim; e mesmo as suas cortesãs talvez carregassem alguma má-consciência quando a corte que lhe faziam não era bem sucedida. Como bem dissera alguém por aí: a parte hipossuficiente de uma relação erótica é a do seduzido. Com efeito, um ser que se basta a si mesmo, hipersuficiente de si e para si - como se agradar com qualquer ludibriar dos sentidos, como se permitir arrastar por cães selvagens..?

"E quanto as imperatrizes, como suportavam a ideia de habitar o mesmo palácio que as cortesãs?" - Assim se embasbaca o rebanho. A mulher superior é aquela que plena de si, pois que plena dos afetos da humanidade superior, tem conteúdo e referencial próprio quanto a ser e estar no mundo, é também uma artista e uma filósofa e, mais ainda, domina as artes do bem viver - da inocente persuasão de uma Psiquê (o que difere e diverge frontalmente da sedução de uma Afrodite ou de uma Medusa), não sabe o que é ciúme ou o ódio, não compreende o que por aqui, por hoje, se chama de amor, pois, aquela entrega entre dois espíritos apaixonados, aquele compromisso com a elevação de si mesmo e do outro, aquela obediente servidão de boa vontade... - essa é a virtude da nobreza: o bem servir -, como dar outro nome a tudo isso que não amor? Desnecessário recordar Zaratustra: a virtude do escravo é que é a revolta... Deveras, ainda não vim a ter com uma única mulher superior na vida. Devo estar impregnado com o cheiro do rebanho, logo, não as condeno por se esquivarem de mim - supondo que elas realmente existam...

Recentemente tivemos um crime passional que decerto imprimiu um alto relevo na comunidade da Universidade de Brasília, minha alma mater... um impotente qualquer - qualquer? Não, dá pior espécie: cheio de orgulho - que ceifou a vida de uma jovem por, no fim das contas e em uma única palavra: ressentimento. Pouca coisa pode ser mais exemplar, por extremado, daquilo que eu venho comentando sobre o rebanho de ressentidos, a sua irremediável impotência diante da vida, que cria monstros, neste caso, quanto aos relacionamentos de intimidade afetiva-erótica. Não à toa somos provavelmente uma das gerações mais afetivamente frustradas que já pisou por sobre a Terra.

Uma última palavra: há dentre os hodiernos quem não goste do termo "crime passional", pois, simplórios, julgam que o "passional" está atrelado a amor - são moralistas da linguagem, nada mais. Não devem ter passado perto de Espinosa. Logo eles, ou elas, esperneando "pára-que-tá-feio!" ou "apenas-melhore!" ou "todo-homem-é-um-estuprador-em-potencial!", enfim, que tanto se mobilizam por paixões tristes!

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