sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Um Pouco Daquilo Que Se Chama Amor

Tu não me lês, não por mau gosto, mas por uma incapacidade fisiológica: tudo o que sou sempre foi-te indigesto e, justamente, pois, incompreensível. Quanto a mim, apenas como adorno da tua experiência estética te interessava: sem isto a que tu chamaste de "amor", o mundo, incontornavelmente, te pareceria uma triste rocha pendurada no espaço - uma calúnia contra a Terra! É por isso que ele, este teu amor, sempre me pareceu um tanto desesperado, uma angústia mal encaminhada - pobre de ti se perdestes o teu objeto de afeição! Chame de amor, ou do que mais quiser apelidar, contudo aquilo sempre será: tua vingança contra a vida pela tua pobreza dela.

De minha parte, justamente por pressentir, encarnar e afirmar a prescindência de um adorno para a minha experiência estética, de uma fantasia para um carnaval - pois, a minha carne sempre teve valor, e a vida na Terra, uma dádiva... - e eu sempre tive a mim mesmo por completo, com as cores que me dotaram a natureza - que eu pude ter por ti o que um dia chamei de "amor": uma fuga de mim mesmo, uma curiosidade teimosa, uma vontade de brincar, de correr riscos, uma vontade de poder negar a mim mesmo no outro. E foi assim que ambos sucumbimos.

E, daqui em diante, quem não puder vislumbrar no primeiro instante a que grau de humanidade pertenço, tem para mim pouco valor. E quem não puder perscrutar a minha máscara e se maravilhar e querer brincar - eu nunca poderia - amar!

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