Terminei hoje "O Nascimento da Tragédia", o primeiro livro de Nietzsche.
Senti um Nietzsche comedido, quase envergonhado com relação às suas próprias pulsões, prestando reverências à uma romântica germanidade - Schopenhauer, Kant e Lutero... Um Nietzsche metido à besta e frouxo... Depois, na maturidade, ele apenas deixa de ser frouxo. Mas vira um puto metido à besta! Qualquer um que leia um Zaratustra não volta dele o mesmo humano de antes... ali tem um elixir, algo assim, uma química dos afetos que o bigodudo experiencia e dela se torna mestre.
Este em nada se assemelhou ao Nietzsche de "Ecce Homo", "O Anti-Cristo", "Assim Falou Zaratustra", ao prólogo de "Humano, Demasiado Humano" que li logo em seguida (e que pareceu mesmo outra pessoa, em absoluto) senão na reverência aos gregos como exemplo de uma cultura que talhou a si mesma bela pela experiência com o horror; de júbilo experimentado com a mais elevada e dolorosa tarefa de existir e "ser quem tu és", seja o preço que custar; a tragédia - o "amor-fati", o 'amor ao destino' que permeia a obra filosófica do bigodudo - como remédio contra o pessimismo, esse câncer da existência.
Apesar de sentir falta daqueles belíssimos ataques ao cristianismo - como o próprio lamenta no prólogo, escrito na maturidade -, esse engano de dois milênios, não se lhes faltam à "gentalha" burguesa e sua arte vazia e à modernidade, de modo geral - esse tempo falseador da vida...
Ainda assim, é uma obra que tem suas passagens maravilhosas, que fizeram de Nietzsche, apesar de atacado e ignorado até à loucura em vida, uma das poucas referências de dignidade das ideias que ainda será levada em conta daqui há uma dúzia de milênios. "Porque sou um destino" - ele bem sabia disso, bigodudo metido à besta!
De minha parte, recomendo sua leitura a qualquer - espírito livre -, principalmente, àqueles perturbados pelas forças dionisíacas e apolíneas da música e do teatro. É um livro que Nietzsche escreveu para mim, sinto, como canceriano besta que sou. Se você escreve música, teatro, poesia, qualquer coisa... pode ler: se não te matar, te fará fortalecido.
"O prazer que o mito trágico gera tem uma pátria idêntica à sensação prazerosa da dissonância na música. O dionisíaco, com o seu prazer primordial percebido inclusive na dor, é a matriz comum da música e do mito trágico.
[...]
Se pudéssemos imaginar uma encarnação da dissonância - e que outra coisa é o homem? - tal dissonância precisaria, a fim de poder viver, de uma ilusão magnífica que cobrisse com um véu de beleza a sua própria essência. Eis o verdadeiro desígnio de Apolo: sob o seu nome reunimos todas aquelas inumeráveis ilusões da bela aparência que, a cada instante, tornam de algum modo a existência digna de ser vivida e impelem a viver o momento seguinte."
(Nietzsche, "O Nascimento da Tragédia", aforismos 24-25.)
Senti um Nietzsche comedido, quase envergonhado com relação às suas próprias pulsões, prestando reverências à uma romântica germanidade - Schopenhauer, Kant e Lutero... Um Nietzsche metido à besta e frouxo... Depois, na maturidade, ele apenas deixa de ser frouxo. Mas vira um puto metido à besta! Qualquer um que leia um Zaratustra não volta dele o mesmo humano de antes... ali tem um elixir, algo assim, uma química dos afetos que o bigodudo experiencia e dela se torna mestre.
Este em nada se assemelhou ao Nietzsche de "Ecce Homo", "O Anti-Cristo", "Assim Falou Zaratustra", ao prólogo de "Humano, Demasiado Humano" que li logo em seguida (e que pareceu mesmo outra pessoa, em absoluto) senão na reverência aos gregos como exemplo de uma cultura que talhou a si mesma bela pela experiência com o horror; de júbilo experimentado com a mais elevada e dolorosa tarefa de existir e "ser quem tu és", seja o preço que custar; a tragédia - o "amor-fati", o 'amor ao destino' que permeia a obra filosófica do bigodudo - como remédio contra o pessimismo, esse câncer da existência.
Apesar de sentir falta daqueles belíssimos ataques ao cristianismo - como o próprio lamenta no prólogo, escrito na maturidade -, esse engano de dois milênios, não se lhes faltam à "gentalha" burguesa e sua arte vazia e à modernidade, de modo geral - esse tempo falseador da vida...
Ainda assim, é uma obra que tem suas passagens maravilhosas, que fizeram de Nietzsche, apesar de atacado e ignorado até à loucura em vida, uma das poucas referências de dignidade das ideias que ainda será levada em conta daqui há uma dúzia de milênios. "Porque sou um destino" - ele bem sabia disso, bigodudo metido à besta!
De minha parte, recomendo sua leitura a qualquer - espírito livre -, principalmente, àqueles perturbados pelas forças dionisíacas e apolíneas da música e do teatro. É um livro que Nietzsche escreveu para mim, sinto, como canceriano besta que sou. Se você escreve música, teatro, poesia, qualquer coisa... pode ler: se não te matar, te fará fortalecido.
"O prazer que o mito trágico gera tem uma pátria idêntica à sensação prazerosa da dissonância na música. O dionisíaco, com o seu prazer primordial percebido inclusive na dor, é a matriz comum da música e do mito trágico.
[...]
Se pudéssemos imaginar uma encarnação da dissonância - e que outra coisa é o homem? - tal dissonância precisaria, a fim de poder viver, de uma ilusão magnífica que cobrisse com um véu de beleza a sua própria essência. Eis o verdadeiro desígnio de Apolo: sob o seu nome reunimos todas aquelas inumeráveis ilusões da bela aparência que, a cada instante, tornam de algum modo a existência digna de ser vivida e impelem a viver o momento seguinte."
(Nietzsche, "O Nascimento da Tragédia", aforismos 24-25.)
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