domingo, 11 de maio de 2025

Soneto Para O Dia Das Mães

Lembro que um dia, rindo, me deixou pra trás

Desde então eu sofro e temo pelo abandono

E hoje quando me ocorre de amar demais

Ainda abano o rabo como cão sem dono


Sei que não me perdoou ser filho de meu pai

Nem acolhido como igual fui por seus ancestrais

Nem pude ser homem e herdar meus direitos

Veneno devo ter tomado vindo do seu peito


Racistas decadentes que ao mundo consomem

Sempre é tarde demais quando da sua partida

Em mim se encerra sua linhagem, assim me imponho


Ser antítese da gente que ostenta seu nome

Que apostava contra mim na roleta da vida

Com fúria, quero assombrá-los mesmo nos seus sonhos


J.B., 11/05/25

terça-feira, 29 de abril de 2025

Paráfrase XII

"A estrela não se atrai tanto por quem a orbita quanto para quem por ela é atraído em sua órbita."

Sete Máximas Deste Tempo

1. As pessoas são reais, contudo, não são verdadeiras. A inteligência artificial é verdadeira, contudo, não é real. A única possibilidade de as pessoas se equipararem é quando dizem a verdade: cada um tem sua própria tragédia e júbilo, miséria e riqueza mais íntima pra partilhar. O isolamento, a percepção da solidão na multidão, é o resultado de um mundo construído a partir de máscaras e mentiras. 

2. Moral da física: viajar para muito longe muito rápido e, então, retornar é o mesmo que se isolar no futuro. Os hodiernos permanecerão no passado – jamais serão meus contemporâneos. Essa gente é burra e talvez também seja ruim: por que, então, mereceria ouvir verdades de mim?

3. A mistura da inclinação filosófica e hipersensibilidade do meu pai com o raciocínio econômico, por assim dizer, e a afetação de casta superior que herdei da linhagem da minha mãe constituem em mim um destino incontornável: uma monumental, milenar, incomparável e incontestável - solidão. E, conforme minhas últimas experiências no trato íntimo com as pessoas me atestam, esta solidão, que longamente ordenhada vem a ser minha solitude, é o maior de todos os meus privilégios.

4. Conto também dentre os meus numerosos privilégios o exercício da minha independência. Quanto mais longe sigo na vida, mais calmamente reconheço com gratidão as distinções que me foram conferidas pelo destino. Ó, ignorantes que se me avizinham, ao menos disfarcem a inveja que retêm da minha volumosa riqueza!

5. Ó, como eu queria que a pobreza dessa gente fosse apenas de dinheiro! É o contrário que se sucede: sou o mais "pobre" dentre eles, porém, não me perdoam que eu não lhes inveje o seu "ouro"!

6. "A ignorância é vizinha da maldade": o ressentimento é o vício dos fracos. Ó, hodiernos que me cercam, como disfarçam mal seu ódio contra mim!

7. Uma questão de asseio: não mais me poluir mergulhando em águas cujas profundidade e pureza não me são equivalentes. Manter distância da psicose ordinária enclausurada na camisa de força da neurose alheia. Como alguém tão doente assim pode "escutar" alguém? Apenas ouve os fantasmas da sua própria cabeça. 

Paráfrase XI

"Um homem que serve pra viver não vive apenas pra servir". 

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Uma tese acerca da cultura

Uma tese: um povo que cultiva muito a temperança, depositando nessa habilidade afetiva um elevado valor socialmente reconhecido, é capaz de produzir espetáculos monumentais. Quem é "sensível" demais, amolecido demais, como os ocidentais, acaba vendo beleza em qualquer merda, não eleva padrão em nada.

Comentário a Respeito da C.E.I.

 


Comentário a Respeito da C.E.I.”: Escrevi essas estrofes tenebrosas entre março e maio de 24. Neste comentário, não teço elogios, não que a cidade e sua gente não o mereça — pelo contrário: algumas das pessoas que mais admiro na vida inteira vieram do IAPI para cá de caminhão e tenho a inesgotável honra de ter com essa gente laço de família. Mas o caso aqui é certamente ocasião para uma elegia. Originalmente havia pensado no título em inglês, parafraseando uma canção do Nirvana, mas ficaria muito fechada esta metáfora e declinei do seu uso. Soou um certo ressentimento, o que certamente não é minha intenção. Sou malicioso demais para me levar a sério, mesmo o meu maior sofrimento: que ridículo ele é! Posteriormente, me veio o título definitivo que deriva da canção de Belchior, “Comentário a Respeito de John”, que sempre toca no boteco da esquina da minha casa aqui na C.E.I., onde fiz o meu lar. Uso “C.E.I.” para evocar um símile de Ceilândia. Com isso, porém, não quero reduzir a cidade e sua gente a este retrato. O macaco de Zaratustra fala melhor sobre a grande cidade. Aqui, apenas registro os contornos de um conjunto de experiências que tive, da minha perspectiva, usando figuras de linguagem bastante licenciosas, que formam não mais que a imagem de um sonho — ou de um pesadelo — que vivi por essas paragens. Me remeto, pois, a algumas pessoas muito específicas, alguns amargos maus encontros. Adiante, pensando sobre um destes interlocutores doentes, e refletindo sobre o que me dissera uma vez (que se sentiu solitária durante a pandemia, tadinha), lembrei-me de uma canção que eu escrevi naquele período de 2020, “Portador Assintomático de Vida” [“Ruínas do Futuro”, 2020], criada justamente como crítica dessa espécie de gente neurótica que sequer “sente” que está viva, que se perdem no personagem que inventaram para si, viciados em trabalho, em dinheiro, em produzir algo, à procura de validação, cheios de maquiagem e falsos sorrisos, essas bocas arreganhadas cheias de dentes, em eterna fuga de si... Jamais permitirei que se aproximem de mim novamente com seu impulso vingativo contra a vida, esses vampiros! A minha saúde, a minha alegria maliciosa, a minha crítica afiada, a minha ironia refinada, tudo em mim para eles é afronta — mesmo o meu maior amor é para eles apenas provação — e que assim seja! Deste modo foi decidido seu título, acompanhado dos subtítulos alternativos — como desaforo e desforra. Tenho repulsa ao bairrismo elogioso “da quebrada” que me soa como um falso orgulho por tudo aquilo que a “quebrada” não tem, um orgulho pela negatividade, que não parece ter coragem de abrir bem os olhos (ou talvez falte coragem pra abrir a boca onde impera uma confederação de velhacos em cada esquina). Meus melhores estudantes são as inteligências rebeldes, que não se sentem coagidos pela mediocridade da maioria — eles me compreendem, nós nos compreendemos. Tampouco me regalo no elitismo típico da sociedade brasileira, brasiliense, em especial, cujas fronteiras de mundo são a EPIA a oeste e a EPCT a leste e que se acaso conhecem a Ceilândia é apenas enquanto lugar onde se vai comprar droga ou sexo barato. Eu amei a Ceilândia — e paguei caro demais por isso... Ah, eu faria bem se fizesse como Ulisses, que se despede de Nausícaa “bendizendo mais do que amando.” Porém, ainda estou aqui. Há 17 anos, quando vim de Goiânia, eu certamente era um forasteiro na UnB: eu reconhecia Brasília da infância, mas não tinha aqui minhas raízes e nem o olhar enviesado de quem nela cresceu. Jamais pertenci a panelinhas. Sou estrangeiro em toda a Terra. Já o disse antes: goiano demais para ser brasiliense, brasiliense demais para ser goiano, goianiense demais para ser vilaboense, ceilandense demais para circular desavisadamente pelos centros econômicos de Brasília e, por último mas não por fim, playboy demais para pertencer à Ceilândia. E, como não possuo glândula para secretar hipocrisia, possuo o rigoroso pudor de manter distância de qualquer puxa-saquismo, seja em nome do pequeno poder, do dinheiro ou de dourar o lattes. Entretanto, na C.E.I., experimentei um abismo ainda maior na interpretação mútua dos sinais que se pratica no primeiro encontro entre dois: aqui, eu sou mais estrangeiro do que jamais fora — olhava para a gente e a gente me olhava, ambos com um curioso estranhamento, alguma admiração e um inaudito nojo. Eu jamais havia conhecido tão abundantes exemplares de diamantes brutos, aguardando pelo polimento da cultura. Jamais havia conhecido tantas almas dotadas de virtudes afiadas para as quais elas eram um corriqueiro, frequente acaso feliz do destino, fruto da sobrevivência num ambiente hostil, onde os piores “caem pra cima”, como eles mesmos dizem. Nunca havia conhecido tantos muros altos, portas trancadas e malas-sem-alça em forma de gente. Suponho também que eles jamais tenham visto tão petulante, sensível, incorruptível, destemido e, para além do limite do aceitável, virtuoso exemplar da espécie humana, que rechaça ainda mais do que contradiz toda a valoração corrente na cotação da cultura... Bem vingado eu estarei de ti, murcho coração dos meus inimigos, que mal sabe bater no tempo certo e sequer bombeia sangue — e sim veneno. Eu amei a Ceilândia? Que tolice! Eu aprendi muitas coisas na Ceilândia! Contudo, ainda não aprendi: a hora de parar e a me calar. Oxalá que eu nunca aprenda essa lição a que tentam me versar. Mal sabem eles que estou a caminho de me tornar novamente criança, restaurando a inocência da minha vontade, desaprendendo e esquecendo muita coisa, e seu receio e agressividade para comigo é algo que ainda me fará rir — por um tempo longo demais já me infligiu dor pungente esta violência indizível que sofri. E é sobre isto esta canção.

Ps.: Veio bem a calhar a imagem que ilustra o cartão do vídeo: uma pintura feita por ex-alunas minhas (As autoras: Anna Clara, Geovanna, Letícia, Gisele, Micaelly), de uma escola no centro da Ceilândia, origem e locus de muitas das coisas venenosas e rebaixadas, de algumas punhaladas que tive que superar e que estão retratadas nesta canção. Parabéns e obrigado, meninas!