quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Longos Lutos

Longos Lutos

Minha vó, minha mais ancestral conexão
Com a terra que em que fui gerado
No seu colo acolheu com paixão
Seus netos que levam o seu legado
Seu espírito se pôs como o sol
Que de súbito alcançou o chão
E se fez noite, então, sob o lençol
Na ambulância, segurei suas mãos
Como planta ela definhou
Dos seus galhos, seus frutos maduros
Dão testemunho do quanto amou
A vida, prometendo futuro!

Sem indulto nem piedade
Resoluto em grandes saudades
Insepultos como em Antares
Longos lutos, grandes pesares

Meu pai, meu espelho quebrado
Morreu mais de uma vez em minha vida
E quando havia fechado a ferida
A metástase deu seu recado
Sua ausência sempre fora uma sombra
Projetada sobre mim, assustado
E por mais que, na luz, me assombrasse
Ela sempre esteve a meu lado
Sua morte como supernova
Espalhou seu ouro pelo universo
E a ausência de jazigo e cova
É poética como esses versos

Sem indulto nem piedade
Resoluto em grandes saudades
Insepultos como em Antares
Longos lutos, grandes pesares

Meu amor, minha fênix dourada,
No meu peito, construiu o seu ninho
Mas, ardendo em sua chama sagrada
Teve que refazer seu caminho
Como flor que repousa em túmulo
Também está fadado a fenecer
O amor que despreza, um acúmulo
De pequenas tristezas sofrer
Quando encarei os maiores atritos
Quebrei uns pratos, soltei uns gritos
Se já não sou um paciente devoto
Eu rasgo cartas, eu queimo fotos

Sem indulto nem piedade
Resoluto em grandes saudades
Insepultos como em Antares
Longos lutos, grandes pesares

E a minha elevada esperança
Erguida aos céus sobre a minha espada
Com a vontade pura de uma criança
Também teve que ser sacrificada
Ainda trago floridas guirlandas
Que deposito tão solenemente
Em memória da minha semente
Em silêncio, na sua varanda
Eis-me aqui a viver: fiz canções
Na decadência — encontrei cadência
E ao morrer — ressurreições
Sigo por amor à experiência...

Sem indulto nem piedade
Resoluto em grandes saudades
Insepultos como em Antares
Longos lutos, grandes pesares

P: - Meu filho, eu estou sofrendo!
F: - Mas é o derradeiro sofrimento da vida...
P: - É verdade...
P: - Meu filho, eu estou morrendo!
F: - Todo mundo morre um pouco a cada dia...
P: - É verdade...

“Longos Lutos”: Nascida das mais dolorosas experiências de perda da minha vida até então, o texto surgiu da minha reflexão acerca das mesmas: eu percebi que vivia muitos longos lutos — cerca de 2 anos de duração... — de uma só vez. Daí veio logo o refrão. Era para ser uma das canções do “Anseio & Superação” [2023], contudo, não foi finalizada a tempo, arrastando ainda mais no tempo a resolução simbólica dos tais lutos. Cada estrofe disserta acerca de uma perda dolorosa que experimentei: a morte do meu pai, a morte da minha avó materna, o fim do meu segundo casamento e a impossibilidade de efetivamente viver um terceiro com certa pessoa (ou a pessoa errada?), e a desilusão geral com minha carreira, minhas escolhas, as condições em que se dão a minha vida nesta quadra da minha história na Terra. Ao final, há uma reprodução literal de um diálogo que tive com meu pai na sua última noite vivo no leito do hospital. Foi como pude reconforta-lo diante do fim iminente: eu também morro por dentro, um pouco a cada dia, a cada amarga frustração, a cada perda, a cada dor pungente, a vitalidade se esvai do corpo e me sinto, por ora, a sombra marcada no chão após a explosão da bomba, uma forma petrificada pela cinza da erupção vulcânica. Que encontre uma magnífica alquimia para transformar toda essa tragédia em vida é meu mais urgente anseio e derradeira esperança. Que reencontre, no cemitério das minhas esperanças, aquele mágico jazigo, aquele verdadeiro berço esplêndido de onde sempre renasceu a minha vontade — a indomável, a inabalável, a imortal e sanguinária vontade de vida, contra a qual ainda que se levantem todas as forças do mundo restará inalterada, metal nobre que não se confunde com a escória muito menos com a lama. No momento, penduro guirlandas, verto minhas lágrimas, grito de desespero, quebro pratos e rasgo cartas, faço fogueira com fotografias, acolho o inverno que arroxeia meus lábios e minhas mãos, me fazendo tremer. E é por desprezo à compaixão, por piedade dos compassivos, que lhes mostro de boa vontade a minha ferida aberta, deixo que eles se alimentem do meu sangue (não é isso toda compaixão?), pois, até aí há conhecimento. Pude ver as entranhas de todos à medida que suas barrigas de mosquito se enchiam do meu sangue: pude ver melhor quem é quem e do que são capazes — aqueles que estão à espreita do meu sofrimento e não puderam sequer disfarçar seu sorriso com a minha expressão de dor; os vingativos e invejosos, que puderam celebrar sua vitória sobre si mesmos apenas a partir do testemunho da minha derrota; pude reconhecer até mesmo a víbora venenosa cuja peçonha me intoxicou, mas não me matou, como ela bem quisera. Também pude reconhecer quem é de vontade pura e generosa, quem me emprestou suas vestes para estancar minha sangria. A estes, meus bons e eternos amigos, as mais elevadas pessoas que tenho a honra de ter por perto — muitos dos quais já mortos, Sêneca há milênios, e o mais eminente dentre eles jaz há pouco mais de um século assombrando as parcas consciências do mundo moderno — quero dedicar esta canção.

domingo, 18 de agosto de 2024

O Amor de Medusa

O Amor de Medusa

Ela só ama o seu mioma
O seu aborto foi um breve luto
Não durou mais do que alguns minutos
Sua vida inteira é um grande coma

Ela só ama a sua doença
Se a sua solidão na pandemia
Voltar a assombrá-la um dia
Já não fará, então, mais diferença

Ela só ama as suas aparências
Sua carreira e suas vaidades
Que contribuição tem pra ciência?
Anseia o tempo todo por mais falsidade

Será possível o amor de Medusa?
Abusada, ela também abusa
Do melhor amor de um herói
Só os deuses sabem como isso dói

Será possível amar no escuro
Um monstro que não é por si iluminado?
Sua imagem que quis me petrificar
Mostro no espelho e gravo em meu escudo

Não se endireita o que nasceu torto
E esconde de todos o seu desespero
Nem pode ser pra alguém porto seguro
Enquanto exaspera o amor mais puro

Nem toda experiência vale a pena
Nem vale provar qualquer veneno
O sangue coalhado leva à gangrena
E até a poesia logo se apequena...

Não merecia nenhuma canção
Contudo, não me custa quase nada
Já está desfeita o que era sua morada
Que havia feito em meu coração

Será possível o amor de Medusa?
Abusada, ela também abusa
Do melhor amor de um herói
Só os deuses sabem como isso dói

Será possível amar no escuro
Um monstro que não é por si iluminado?
Sua imagem que quis me petrificar
Mostro no espelho e gravo em meu escudo

Escolheu viver com vermes rastejantes
Se esconde atrás deles, os traficantes
Que vendem veneno na sua esquina
São almas tristes e de tristes sinas

Não se atreveu a dizer cara-a-cara
As suas mentiras à pessoa mais rara
Que frua do conforto da sua vida
Sei que anseia pela sua partida

Ó, triste filha da ignorância,
Que poderia saber sobre respeito?
Eu bem sei quem você escondeu no leito
Eu bem sei quem você arranhou em errância

Será possível o amor de Medusa?
Abusada, ela também abusa
Do melhor amor de um herói
Só os deuses sabem como isso dói

Será possível amar no escuro
Um monstro que não é por si iluminado?
Sua imagem que quis me petrificar
Mostro no espelho e gravo em meu escudo

sábado, 17 de agosto de 2024

Allegro, Ma Non Troppo



Letra & música; bateria & teclados (piano eletrônico 2.6), escaleta, guitarras, baixo e vozes: Juliano Berko, 2023. Álbum: "Sehnsucht & Shoganai" (2023).

 "Allegro, Ma Non Troppo"

[J. B.]

Longe demais voou a fênix dos meus sonhos
Afiadas demais as garras do seu anseio
Alto demais além do céu alçou seu voo
Fundo demais cravou no peito do futuro

Forte demais marchou o dragão da minha coragem
Fogo demais queimou no brilho dos seus olhos
Léguas demais além do mar fez o seu ninho
Pedras demais se interpuseram em seu caminho

Além do céu, além do mar ainda vou me encontrar

Amplo demais no horizonte o meu destino
Brechas demais abre entre as rochas meu mergulho
Grato demais por cada aurora a um novo dia
Forjo demais em cada lágrima a alegria

Cores demais além do tempo a minha memória
Queima demais a luz do sol do meu orgulho
Sons & sinais demais além das formas a linguagem
Saltos demais além de mim, à minha altura

Além de mim, do bem e do mal, fiz meu jardim e o meu quintal
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“Allegro, Ma Non Troppo”: Nasceu a partir do primeiro verso, que veio a mim enquanto refletia sobre os caminhos tortuosos da minha vontade ao longo do último ano... Uma imagem específica ainda me remeterá a esse verso pra sempre, pois, que foi essa minha visão, esse meu sonho dilacerado que o inspirou. Em duas ocasiões, entre o fim de abril e o início de maio, sentei ao computador para desenvolver a letra, que foi parida sem muito esforço. Inicialmente, haveria apenas o primeiro refrão após três estrofes. Contudo, na segunda vez que fui lapidar a escrita acabei esticando os versos e o segundo refrão surgiu naturalmente como complemento do anterior. Ao longo da última estrofe expresso abertamente a intenção de me afastar da linguagem, da expressão, da comunicação... tudo isso é um fardo supérfluo. O que é precisamente meu é incomunicável, indescritível. A base harmônica surgiu, possivelmente, na segunda ocasião em que me debrucei sobre a letra. Queria fazer um reggae, algo que remetesse às belas baladas nesse ritmo feitas por Paralamas e Skank, coisas que eu ouvi a vida inteira. Os versos das estrofes contém muitas sílabas, portanto, cantá-los em outra velocidade, mais rápida, tornaria o canto mais áspero. O refrão é, como o conceito mesmo diz, um momento de refrear o canto, no qual posso fazer um jogo de coral no contratempo. O título veio por último. Queria, inicialmente, algo que remetesse diretamente ao refrão. O problema? Não há um refrão só. Nenhuma palavra consubstancia o espírito da canção. Até que me ocorreu que a alegria, que de passagem em um verso contraditório, poderia ser o afeto que batizaria a canção, mas não muito, pois que é uma balada melancólica. Na verdade, eu passava em frente a um condomínio da Ceilândia enquanto pensava na canção e me lembrei da expressão italiana que dá nome a um tempo da música: “allegro, ma non troppo” (“alegre, mas não muito”) e, por fim, decidido ficou o seu nome. Para o vídeo da canção, de súbito me veio a ideia de colocar minha filha mais nova, L. Athena, brincando com algo em câmera lenta. Quando vi sua alegria com as bolhas de sabão, registrei alguns vídeos, um dos quais editei através do canvas para este trabalho.


Quidquid Luce Fuit Tenebris Agit

1. O que acontece na luz, age na escuridão. E também o contrário.

2. Ainda sem acreditar no que me ocorreu nas últimas horas, pela milésima vez. Nas primeiras, seguia insone, procurando sentidos madrugada a dentro. Nessa noite, já pude dormir aliviado, experimentando profunda gratidão à vida por me libertar dessa relação venenosa. 

3. Caíra na teia de uma rata, doutoranda em psicologia pela UnB, cravejado pelas garras de uma ave de rapina da Ceilândia norte! Certamente motivo para ela de orgulho na vida. Supondo que seja "vida" aquilo que ela experimenta, o que eu mesmo tenho mil razões para crer que não seja. 

4. Por mil vezes pude atestar toda a manipulação da linguagem, toda distorção das minhas palavras, todo o tensionamento provocativo...

5. Em uma das últimas ocasiões, salvo engano em junho, ela veio sem bolsa -- não veio pra ficar. Veio apenas provocar uma discussão, a milésima repetição da mesma cena. A segunda muito idêntica a outra de 4 meses atrás: Veio à minha casa e procurou tirar de mim alguma acusação — restei silente e condescendente com as suas atitudes, nada disse que desabonasse a mesma — tão logo fui acusado de mentir que a amava e que insistia na relação apenas para testá-la. Infelizmente, isso me tirou do meu centro de gravidade. Acabei falando umas verdades, sem respeitar a distância segura para tal, o que vai contra a minha ética consolidada desde 2015, e tomei uns empurrões e unhadas. Eu nunca havia sido agredido assim por mulher nenhuma. E nunca mais serei. 

6. Há cerca de duas semanas, ela entrou em crise novamente. Os sinais estavam todos lá: hiato na comunicação, quando muito mensagens frias e protocolares, todo o falso-self dela operando comigo como se eu fosse alguém do convívio mais distante, não íntimo — os estranhos agradecimentos que ela proferia para os gestos de amor que se espera em uma relação..., a falta de implicação em atividades conjuntas, eu tive que ir ao seu portão sem ser chamado na véspera deste dia. Até que, no início da semana, ela finalmente se abriu e disse não estar bem. Que não estava confortável com a própria vida, de um modo muito amplo, usou, inclusive, uma expressão que usei em outro texto e cuja fonte primária é o Zaratustra — ela teria "apodrecido no pé". Perguntei se havia e qual seria a minha participação naquele desconforto. No que prontamente me responde que não se sente mais confortável em conversar certas coisas comigo, que sempre lembra de coisas que eu já disse. Eu mudei meu estado de ânimo e declinei de continuar a conversa presencialmente porque a tristeza assaltara o meu coração. Voltei para casa, mas decidi entrar em contato por mensagem novamente. Reclamou de não poder falar de qualquer coisa que tenha vivido com sua mãe, que acha que errou por ter sido imatura na nossa relação. Eu exigi uma posição. Eu entreguei 2 anos da minha vida nessa relação. Tinha, e ainda nutro na minha alma, a expectativa de viver uma relação tranquila, amar e ser amado pacificamente, como eu já experimentara uma vez na vida (a mais gloriosa experiência de amor que jamais tive, com a mãe de minha segunda filha), sem estar ao lado de uma pessoa que está angustiada com minha presença. Isso não é amor. É doença. Ela, então, decidiu pôr fim à nossa relação ali, por WhatsApp! Até meus bons alunos do ensino médio com quem conversei depois disso confirmaram a vileza de findar uma relação dedicada de anos assim. É pura covardia. Desaforei, pois, a grosseria é a mais humana contradição, e quem não sustentar a lâmina fria da minha palavra que pereça por ela, e interditei toda a nossa comunicação. 

7. Anteontem decidi enviar uma derradeira mensagem, por email, cuja resposta foi tão empolada, tão falsamente tranquila e bem resolvida, com todos os sintomas da neurose gritando alto por trás de cada afetação superior de quem finge muito bem possuir autocontrole, ao menos uma continência verbal hipócrita, que quedei angustiado ao longo do dia de ontem. Havia ainda um livro dela aqui, o ótimo "Quarto de despejo", que não cheguei a terminar de ler, por desgosto..., e resolvi ir, contra todas as indicações dela mesma e do universo, bater em seu portão para entregar o livro e pedir para me dizer o que disse por mensagem cara-a-cara. Não me atendeu. Me fez ficar cerca de 20 minutos em frente a sua casa no esgoto a céu aberto que é a Ceilândia norte. Até que o traficante da esquina, o nobre guerreiro defensor da sua comunidade valorosa, veio me interpelar e sugeriu, de modo sutilmente ameaçador, que eu fosse embora. Ela teria entrado em contato com alguém solicitando essa ajuda? Como se eu fosse alguém digno dessa tratamento, ser enxotado por traficante de esquina? 

8. Nem todos os títulos do mundo, nem todos os pós-doutorados possíveis, nem todo domínio da linguagem possibilitada pelas gramáticas de todas as línguas de todos os povos poderiam conferir dignidade a essa mulherzinha venenosa. E como poderia ser diferente?Tem uma flagrante e comovente dificuldade de se desconectar, de elaborar, a necessidade de amor dos pais. Me arrastou, bem mais de uma vez, para sentir o hálito morno da morte. Ontem, pela última vez! Que pereça na sua angústia longe de mim para sempre! Seus cachos com cheiro de óleo de coco não são mais que as serpentes de Medusa! Eu, que sou herói, não viro pedra  arranco a sua cabeça e a deusa Atena coloca essa imagem no meu escudo! 

A víbora que pica Zaratustra não o mata com seu veneno. Apenas o desperta para o seu ainda longo caminho.