domingo, 17 de novembro de 2024

Paráfrase X

 Devemos nos despedir da vida como Juliano de Ceilândia: bendizendo mais do que amando. 

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Resenha — O Amor de Medusa

Posto aqui o texto que, pela limitação de caracteres, esta cortado no instagram. Os textos completos, resenha e letra, além da canção em si, estão neste link do youtube

"O Amor de Medusa": Esta foi a última composição para o álbum. Forçosa foi sua criação, parida eu não diria... Abortada, talvez?, pelo imperativo de expiar este infinito mal estar, este derradeiro mal entendido. Ao longo do período de produção — de agosto a novembro — a harmonia e a melodia foram sendo reelaborados e reconstruídos, findando com o estratagema de utilizar uma dominância tonal nas estrofes (“si”, B) e outra no refrão (“ré”, D), contudo, com uma peculiar característica: a primeira nota cantada em cada verso, seja nas estrofes ou no refrão, é um “F#” (fá sustenido), nota comum a ambos os tons, o que causa estranheza na passagem entre as partes da canção, o que orna com o seu espírito — também foi um tenebroso estranhamento ver que aquilo que seria uma história de amor transmutou-se num repulsivo conto de Nelson Rodrigues do qual algum senso de pudor, que também conserva minha digestão, me impede de relatar em maiores detalhes. Em todo o caso, sou incontornavelmente verborrágico, basta que se leia o texto da canção e está tudo lá. Uma crônica que narra a morte de um amor, ou melhor: a metamorfose do meu amor, que é o mais poderoso e infinito, mas que eventualmente muda o destino de sua torrente para onde possa melhor fluir e ser acolhido, tal como o rio Amarelo,
Huang He, na China, que ao longo dos séculos muda a sua foz de lugar, pois o sedimento acumulado ocasionalmente não lhe permite fluir e acessar o mar, um evento traumático, que causa inundações e destruição, mas que não deixa de ser um evento natural... Ah, ainda sou abençoado com boas metáforas! Ainda tenho afiadas navalhas nas pontas dos dedos e da língua. Oxalá que a vida assim me conserve! Meu paraíso também se localiza à sombra da minha espada. Também sou dos que amam apenas o mais distante mar e às minhas velas ordeno: busquem sem cessar! Tomo emprestado dos gregos, os que com maior detalhe e sabedoria registraram as nuances da humanidade em uma miríade de estórias, os símbolos que aqui, nesta canção, me redimem desta experiência terrível, deste acaso mais triste. Cogitei utilizar a gravação que fiz, como prova material a meu favor, em que Medusa, esse monstro cacheado de serpentes, reconhece que me agrediu e que “não se orgulha” disso. Declinei, pois minha melhor razão me desaconselhou. Minha arte é sagrada e dela sou cioso no mais elevado grau, não quis poluir ainda mais minha obra para além das referências à experiência excruciante a que me impeliu esta górgona infeliz! Petrificada em sua neurose, também dela tive que tirar algum leite e — como todo leite, como sabem os eleitos do conhecimento — é alimento, mas, em alguma medida, também veneno. “Onde não for possível amar deve-se passar ao largo”... A víbora que pica Zaratustra não o mata, apenas o desperta para o seu ainda longo caminho.




sábado, 5 de outubro de 2024

Um Amor

Um Amor


Se aprendi a amar até o fim? 

Já não sei. Meu ouro 

Deixei de guardar para mim.

Quantas flores do meu jardim

Cultivei e outro, o tempo, o vento, 

Podou o meu jasmin!

Se há coragem em abrir o meu

Coração --- não me diga que eram

As grades de uma prisão! 


Um amor que se cultive

Uma flor que feneceu

Um amor que um dia tive 

Essa planta já morreu


Quando amar for mergulhar

No mar da tranquilidade, o amor

Vai me banhar nas águas do rio Lete.

Que as neuroses queimem na fogueira

Das vaidades dessa experiência triste

Que ora se repete.

Se, por ventura, Eros me cura

Da depressão, da amargura

Me liberto com minhas próprias mãos. 


Gestos falsos, muita dor

Um amor protocolar

Devagar com o andor

Diante de quem não sabe amar.



Paráfrase IX

Com quem será, afinal? 

Com quem será, afinal?

Com quem será, afinal, 

Que vou viver o meu trisal?


Vai depender, vai depender

Vai depender se L****** e T*******

Vão querer.


Elas aceitaram. Por um tempo, aceitaram. 

Tiveram orgasmos múltiplos e depois me abandonaram. 


Passou um mês. Passou um mês. 

Passou um mês e minha dignidade de desfez. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Longos Lutos

Longos Lutos

Minha vó, minha mais ancestral conexão
Com a terra que em que fui gerado
No seu colo acolheu com paixão
Seus netos que levam o seu legado
Seu espírito se pôs como o sol
Que de súbito alcançou o chão
E se fez noite, então, sob o lençol
Na ambulância, segurei suas mãos
Como planta ela definhou
Dos seus galhos, seus frutos maduros
Dão testemunho do quanto amou
A vida, prometendo futuro!

Sem indulto nem piedade
Resoluto em grandes saudades
Insepultos como em Antares
Longos lutos, grandes pesares

Meu pai, meu espelho quebrado
Morreu mais de uma vez em minha vida
E quando havia fechado a ferida
A metástase deu seu recado
Sua ausência sempre fora uma sombra
Projetada sobre mim, assustado
E por mais que, na luz, me assombrasse
Ela sempre esteve a meu lado
Sua morte como supernova
Espalhou seu ouro pelo universo
E a ausência de jazigo e cova
É poética como esses versos

Sem indulto nem piedade
Resoluto em grandes saudades
Insepultos como em Antares
Longos lutos, grandes pesares

Meu amor, minha fênix dourada,
No meu peito, construiu o seu ninho
Mas, ardendo em sua chama sagrada
Teve que refazer seu caminho
Como flor que repousa em túmulo
Também está fadado a fenecer
O amor que despreza, um acúmulo
De pequenas tristezas sofrer
Quando encarei os maiores atritos
Quebrei uns pratos, soltei uns gritos
Se já não sou um paciente devoto
Eu rasgo cartas, eu queimo fotos

Sem indulto nem piedade
Resoluto em grandes saudades
Insepultos como em Antares
Longos lutos, grandes pesares

E a minha elevada esperança
Erguida aos céus sobre a minha espada
Com a vontade pura de uma criança
Também teve que ser sacrificada
Ainda trago floridas guirlandas
Que deposito tão solenemente
Em memória da minha semente
Em silêncio, na sua varanda
Eis-me aqui a viver: fiz canções
Na decadência — encontrei cadência
E ao morrer — ressurreições
Sigo por amor à experiência...

Sem indulto nem piedade
Resoluto em grandes saudades
Insepultos como em Antares
Longos lutos, grandes pesares

P: - Meu filho, eu estou sofrendo!
F: - Mas é o derradeiro sofrimento da vida...
P: - É verdade...
P: - Meu filho, eu estou morrendo!
F: - Todo mundo morre um pouco a cada dia...
P: - É verdade...

“Longos Lutos”: Nascida das mais dolorosas experiências de perda da minha vida até então, o texto surgiu da minha reflexão acerca das mesmas: eu percebi que vivia muitos longos lutos — cerca de 2 anos de duração... — de uma só vez. Daí veio logo o refrão. Era para ser uma das canções do “Anseio & Superação” [2023], contudo, não foi finalizada a tempo, arrastando ainda mais no tempo a resolução simbólica dos tais lutos. Cada estrofe disserta acerca de uma perda dolorosa que experimentei: a morte do meu pai, a morte da minha avó materna, o fim do meu segundo casamento e a impossibilidade de efetivamente viver um terceiro com certa pessoa (ou a pessoa errada?), e a desilusão geral com minha carreira, minhas escolhas, as condições em que se dão a minha vida nesta quadra da minha história na Terra. Ao final, há uma reprodução literal de um diálogo que tive com meu pai na sua última noite vivo no leito do hospital. Foi como pude reconforta-lo diante do fim iminente: eu também morro por dentro, um pouco a cada dia, a cada amarga frustração, a cada perda, a cada dor pungente, a vitalidade se esvai do corpo e me sinto, por ora, a sombra marcada no chão após a explosão da bomba, uma forma petrificada pela cinza da erupção vulcânica. Que encontre uma magnífica alquimia para transformar toda essa tragédia em vida é meu mais urgente anseio e derradeira esperança. Que reencontre, no cemitério das minhas esperanças, aquele mágico jazigo, aquele verdadeiro berço esplêndido de onde sempre renasceu a minha vontade — a indomável, a inabalável, a imortal e sanguinária vontade de vida, contra a qual ainda que se levantem todas as forças do mundo restará inalterada, metal nobre que não se confunde com a escória muito menos com a lama. No momento, penduro guirlandas, verto minhas lágrimas, grito de desespero, quebro pratos e rasgo cartas, faço fogueira com fotografias, acolho o inverno que arroxeia meus lábios e minhas mãos, me fazendo tremer. E é por desprezo à compaixão, por piedade dos compassivos, que lhes mostro de boa vontade a minha ferida aberta, deixo que eles se alimentem do meu sangue (não é isso toda compaixão?), pois, até aí há conhecimento. Pude ver as entranhas de todos à medida que suas barrigas de mosquito se enchiam do meu sangue: pude ver melhor quem é quem e do que são capazes — aqueles que estão à espreita do meu sofrimento e não puderam sequer disfarçar seu sorriso com a minha expressão de dor; os vingativos e invejosos, que puderam celebrar sua vitória sobre si mesmos apenas a partir do testemunho da minha derrota; pude reconhecer até mesmo a víbora venenosa cuja peçonha me intoxicou, mas não me matou, como ela bem quisera. Também pude reconhecer quem é de vontade pura e generosa, quem me emprestou suas vestes para estancar minha sangria. A estes, meus bons e eternos amigos, as mais elevadas pessoas que tenho a honra de ter por perto — muitos dos quais já mortos, Sêneca há milênios, e o mais eminente dentre eles jaz há pouco mais de um século assombrando as parcas consciências do mundo moderno — quero dedicar esta canção.

domingo, 18 de agosto de 2024

O Amor de Medusa

O Amor de Medusa

Ela só ama o seu mioma
O seu aborto foi um breve luto
Não durou mais do que alguns minutos
Sua vida inteira é um grande coma

Ela só ama a sua doença
Se a sua solidão na pandemia
Voltar a assombrá-la um dia
Já não fará, então, mais diferença

Ela só ama as suas aparências
Sua carreira e suas vaidades
Que contribuição tem pra ciência?
Anseia o tempo todo por mais falsidade

Será possível o amor de Medusa?
Abusada, ela também abusa
Do melhor amor de um herói
Só os deuses sabem como isso dói

Será possível amar no escuro
Um monstro que não é por si iluminado?
Sua imagem que quis me petrificar
Mostro no espelho e gravo em meu escudo

Não se endireita o que nasceu torto
E esconde de todos o seu desespero
Nem pode ser pra alguém porto seguro
Enquanto exaspera o amor mais puro

Nem toda experiência vale a pena
Nem vale provar qualquer veneno
O sangue coalhado leva à gangrena
E até a poesia logo se apequena...

Não merecia nenhuma canção
Contudo, não me custa quase nada
Já está desfeita o que era sua morada
Que havia feito em meu coração

Será possível o amor de Medusa?
Abusada, ela também abusa
Do melhor amor de um herói
Só os deuses sabem como isso dói

Será possível amar no escuro
Um monstro que não é por si iluminado?
Sua imagem que quis me petrificar
Mostro no espelho e gravo em meu escudo

Escolheu viver com vermes rastejantes
Se esconde atrás deles, os traficantes
Que vendem veneno na sua esquina
São almas tristes e de tristes sinas

Não se atreveu a dizer cara-a-cara
As suas mentiras à pessoa mais rara
Que frua do conforto da sua vida
Sei que anseia pela sua partida

Ó, triste filha da ignorância,
Que poderia saber sobre respeito?
Eu bem sei quem você escondeu no leito
Eu bem sei quem você arranhou em errância

Será possível o amor de Medusa?
Abusada, ela também abusa
Do melhor amor de um herói
Só os deuses sabem como isso dói

Será possível amar no escuro
Um monstro que não é por si iluminado?
Sua imagem que quis me petrificar
Mostro no espelho e gravo em meu escudo

sábado, 17 de agosto de 2024

Allegro, Ma Non Troppo



Letra & música; bateria & teclados (piano eletrônico 2.6), escaleta, guitarras, baixo e vozes: Juliano Berko, 2023. Álbum: "Sehnsucht & Shoganai" (2023).

 "Allegro, Ma Non Troppo"

[J. B.]

Longe demais voou a fênix dos meus sonhos
Afiadas demais as garras do seu anseio
Alto demais além do céu alçou seu voo
Fundo demais cravou no peito do futuro

Forte demais marchou o dragão da minha coragem
Fogo demais queimou no brilho dos seus olhos
Léguas demais além do mar fez o seu ninho
Pedras demais se interpuseram em seu caminho

Além do céu, além do mar ainda vou me encontrar

Amplo demais no horizonte o meu destino
Brechas demais abre entre as rochas meu mergulho
Grato demais por cada aurora a um novo dia
Forjo demais em cada lágrima a alegria

Cores demais além do tempo a minha memória
Queima demais a luz do sol do meu orgulho
Sons & sinais demais além das formas a linguagem
Saltos demais além de mim, à minha altura

Além de mim, do bem e do mal, fiz meu jardim e o meu quintal
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“Allegro, Ma Non Troppo”: Nasceu a partir do primeiro verso, que veio a mim enquanto refletia sobre os caminhos tortuosos da minha vontade ao longo do último ano... Uma imagem específica ainda me remeterá a esse verso pra sempre, pois, que foi essa minha visão, esse meu sonho dilacerado que o inspirou. Em duas ocasiões, entre o fim de abril e o início de maio, sentei ao computador para desenvolver a letra, que foi parida sem muito esforço. Inicialmente, haveria apenas o primeiro refrão após três estrofes. Contudo, na segunda vez que fui lapidar a escrita acabei esticando os versos e o segundo refrão surgiu naturalmente como complemento do anterior. Ao longo da última estrofe expresso abertamente a intenção de me afastar da linguagem, da expressão, da comunicação... tudo isso é um fardo supérfluo. O que é precisamente meu é incomunicável, indescritível. A base harmônica surgiu, possivelmente, na segunda ocasião em que me debrucei sobre a letra. Queria fazer um reggae, algo que remetesse às belas baladas nesse ritmo feitas por Paralamas e Skank, coisas que eu ouvi a vida inteira. Os versos das estrofes contém muitas sílabas, portanto, cantá-los em outra velocidade, mais rápida, tornaria o canto mais áspero. O refrão é, como o conceito mesmo diz, um momento de refrear o canto, no qual posso fazer um jogo de coral no contratempo. O título veio por último. Queria, inicialmente, algo que remetesse diretamente ao refrão. O problema? Não há um refrão só. Nenhuma palavra consubstancia o espírito da canção. Até que me ocorreu que a alegria, que de passagem em um verso contraditório, poderia ser o afeto que batizaria a canção, mas não muito, pois que é uma balada melancólica. Na verdade, eu passava em frente a um condomínio da Ceilândia enquanto pensava na canção e me lembrei da expressão italiana que dá nome a um tempo da música: “allegro, ma non troppo” (“alegre, mas não muito”) e, por fim, decidido ficou o seu nome. Para o vídeo da canção, de súbito me veio a ideia de colocar minha filha mais nova, L. Athena, brincando com algo em câmera lenta. Quando vi sua alegria com as bolhas de sabão, registrei alguns vídeos, um dos quais editei através do canvas para este trabalho.


Quidquid Luce Fuit Tenebris Agit

1. O que acontece na luz, age na escuridão. E também o contrário.

2. Ainda sem acreditar no que me ocorreu nas últimas horas, pela milésima vez. Nas primeiras, seguia insone, procurando sentidos madrugada a dentro. Nessa noite, já pude dormir aliviado, experimentando profunda gratidão à vida por me libertar dessa relação venenosa. 

3. Caíra na teia de uma rata, doutoranda em psicologia pela UnB, cravejado pelas garras de uma ave de rapina da Ceilândia norte! Certamente motivo para ela de orgulho na vida. Supondo que seja "vida" aquilo que ela experimenta, o que eu mesmo tenho mil razões para crer que não seja. 

4. Por mil vezes pude atestar toda a manipulação da linguagem, toda distorção das minhas palavras, todo o tensionamento provocativo...

5. Em uma das últimas ocasiões, salvo engano em junho, ela veio sem bolsa -- não veio pra ficar. Veio apenas provocar uma discussão, a milésima repetição da mesma cena. A segunda muito idêntica a outra de 4 meses atrás: Veio à minha casa e procurou tirar de mim alguma acusação — restei silente e condescendente com as suas atitudes, nada disse que desabonasse a mesma — tão logo fui acusado de mentir que a amava e que insistia na relação apenas para testá-la. Infelizmente, isso me tirou do meu centro de gravidade. Acabei falando umas verdades, sem respeitar a distância segura para tal, o que vai contra a minha ética consolidada desde 2015, e tomei uns empurrões e unhadas. Eu nunca havia sido agredido assim por mulher nenhuma. E nunca mais serei. 

6. Há cerca de duas semanas, ela entrou em crise novamente. Os sinais estavam todos lá: hiato na comunicação, quando muito mensagens frias e protocolares, todo o falso-self dela operando comigo como se eu fosse alguém do convívio mais distante, não íntimo — os estranhos agradecimentos que ela proferia para os gestos de amor que se espera em uma relação..., a falta de implicação em atividades conjuntas, eu tive que ir ao seu portão sem ser chamado na véspera deste dia. Até que, no início da semana, ela finalmente se abriu e disse não estar bem. Que não estava confortável com a própria vida, de um modo muito amplo, usou, inclusive, uma expressão que usei em outro texto e cuja fonte primária é o Zaratustra — ela teria "apodrecido no pé". Perguntei se havia e qual seria a minha participação naquele desconforto. No que prontamente me responde que não se sente mais confortável em conversar certas coisas comigo, que sempre lembra de coisas que eu já disse. Eu mudei meu estado de ânimo e declinei de continuar a conversa presencialmente porque a tristeza assaltara o meu coração. Voltei para casa, mas decidi entrar em contato por mensagem novamente. Reclamou de não poder falar de qualquer coisa que tenha vivido com sua mãe, que acha que errou por ter sido imatura na nossa relação. Eu exigi uma posição. Eu entreguei 2 anos da minha vida nessa relação. Tinha, e ainda nutro na minha alma, a expectativa de viver uma relação tranquila, amar e ser amado pacificamente, como eu já experimentara uma vez na vida (a mais gloriosa experiência de amor que jamais tive, com a mãe de minha segunda filha), sem estar ao lado de uma pessoa que está angustiada com minha presença. Isso não é amor. É doença. Ela, então, decidiu pôr fim à nossa relação ali, por WhatsApp! Até meus bons alunos do ensino médio com quem conversei depois disso confirmaram a vileza de findar uma relação dedicada de anos assim. É pura covardia. Desaforei, pois, a grosseria é a mais humana contradição, e quem não sustentar a lâmina fria da minha palavra que pereça por ela, e interditei toda a nossa comunicação. 

7. Anteontem decidi enviar uma derradeira mensagem, por email, cuja resposta foi tão empolada, tão falsamente tranquila e bem resolvida, com todos os sintomas da neurose gritando alto por trás de cada afetação superior de quem finge muito bem possuir autocontrole, ao menos uma continência verbal hipócrita, que quedei angustiado ao longo do dia de ontem. Havia ainda um livro dela aqui, o ótimo "Quarto de despejo", que não cheguei a terminar de ler, por desgosto..., e resolvi ir, contra todas as indicações dela mesma e do universo, bater em seu portão para entregar o livro e pedir para me dizer o que disse por mensagem cara-a-cara. Não me atendeu. Me fez ficar cerca de 20 minutos em frente a sua casa no esgoto a céu aberto que é a Ceilândia norte. Até que o traficante da esquina, o nobre guerreiro defensor da sua comunidade valorosa, veio me interpelar e sugeriu, de modo sutilmente ameaçador, que eu fosse embora. Ela teria entrado em contato com alguém solicitando essa ajuda? Como se eu fosse alguém digno dessa tratamento, ser enxotado por traficante de esquina? 

8. Nem todos os títulos do mundo, nem todos os pós-doutorados possíveis, nem todo domínio da linguagem possibilitada pelas gramáticas de todas as línguas de todos os povos poderiam conferir dignidade a essa mulherzinha venenosa. E como poderia ser diferente?Tem uma flagrante e comovente dificuldade de se desconectar, de elaborar, a necessidade de amor dos pais. Me arrastou, bem mais de uma vez, para sentir o hálito morno da morte. Ontem, pela última vez! Que pereça na sua angústia longe de mim para sempre! Seus cachos com cheiro de óleo de coco não são mais que as serpentes de Medusa! Eu, que sou herói, não viro pedra  arranco a sua cabeça e a deusa Atena coloca essa imagem no meu escudo! 

A víbora que pica Zaratustra não o mata com seu veneno. Apenas o desperta para o seu ainda longo caminho. 

sábado, 6 de janeiro de 2024

Ao Deus Janeiro

Se arrependimento matasse... Decerto mata e eu já morri muitas vezes na vida. Mas sempre renasci, ressuscitando meu orgulho e afirmando: "Tal e tal coisa foi importante para que eu (re)aprendesse tal lição ou desenvolvesse tal habilidade". O que não justifica o sofrimento, mas, certamente o redime.

Recentemente, tenho ouvido bastante "Carpe Diem", minha obra do 2º semestre de 2018 e me parece que cada verso ali cantado me relembra alguma lição de um passado já não tão recente: Aquela pacificação e sutileza do espírito que emerge meses após uma derrota humilhante e uma excruciante, gigantesca, violenta e incurável frustração. Eu mesmo canto nos meus ouvidos: "Escolho viver para conhecer/Os mistérios são a minha ambição" e "Se você não puder enxergar o lado bom que em tudo existe/Não haverá outra solução contra uma vida mais triste!" e "Todo lugar é um fim da linha/Quando um novo dia se avizinha" e "Cuidado com a música, ela poderá um dia fazê-lo chorar/Ao fazê-lo sentir ser impossível ignorar o que se impõe expressar" e "Se ontem eu era um tanto obscuro/Hoje eu sei, sou um homem perfeito/Há quem diga que eu seja impuro/Mas que calúnia! Sou puro despeito!" e assim, superado o pavor e o imenso desespero do contato tão íntimo, tão próximo, com a morte — real e simbólica—, consigo seguir caminhando no caminho escuro no qual "Só ouço meus passos/Mesmo dentre a gente eu sigo sozinho/Não só as paredes têm ouvidos/Como alguns ouvidos também têm paredes". É um caminho sombrio, pois, a única luz que o ilumina vem de mim mesmo e "A chama não é tão clara pra si mesma/Quanto para quem ela ilumina" (este último de “Flama”, do “Cave Musicam”, 1º semestre do mesmo ano).

Ah, já não gasto minha garganta gritando com os ouvidos bloqueados por paredes que não podem me ouvir. Já não gasto meu latim vulgar com quem é incapaz de sequer me compreender quanto mais — me amar! 

Aos poucos a vida vai retomando o seu caminho, um novo caminho. Já surgem de mim mesmo novas metas e um horizonte ainda mais amplo e distante do que o de antes. E, neste ano em que completo 20 anos de música e canções quero agradecer minha mãe por confiar na minha força de vontade e me presentear com um violão em 2004, e minha vó por me presentear em 2005 com uma gaita cromática de primeiríssima qualidade que retenho ainda hoje. Se tudo ao meu redor ruir, se mesmo aquilo que mais amo na vida morrer, não morrerei enquanto funcionar em mim a oficina de construir canções. 

Me desprendo de toda "identificação", de qualquer coação a ser aquilo que não sou — e recupero e exercito ainda mesmo certa malícia contra aquilo que "eu sou": Ora, que importa eu mesmo? Ou — aquilo que há de mais ridículo e risível — as minhas vontades? Eu sou um belo burro de carga e a vida ainda é muito longa! Ainda hoje dou um passo adiante rumo a uma vida mais livre, mais corajosa e mais soberana. Ó, Deus Janeiro, senhor do recomeço, que eu seja quem diz sempre "sim!" e que minha única negação seja virar o rosto!

domingo, 31 de dezembro de 2023

"Sehnsucht & Shoganai ou Anseio & Superação" (2023)

Contracapa do álbum, inspirada na arte gráfica das edições de Byung-Chul Han pela editora Vozes

 

Diria, como metáfora, que uma vez que nos afastamos da influência de outras gravidades, seguimos adiante no universo movidos pela nossa força propulsora inicial — já não podemos parar, já não olhamos para trás. A esta altura da vida nos é dado apenas seguir adiante. Este álbum, esta coleção de canções que são a expressão da minha experiência mais íntima na existência; a minha suma, cujas opiniões e sentenças são mais minhas quanto mais universais se apresentem, é este astro solitário que se afasta, na amplidão do universo, criando sempre mais espaço entre si e os demais. A grande explosão que originou esse movimento ocorreu há quase 20 anos... “Sociedade Paliativa”, baseada no gozo triste com a leitura do transdesesperançoso filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han, é a canção que, neste álbum, se filia à tradição inaugurada em “Sociedade do Consumo” (“Concreto Armado”, 2005), dos meus remotos esforços críticos em forma poética. No todo, reserva mais semelhanças com um irmão mais velho, “Καιρός (2016): os mesmos gosto de lágrimas e cheiro de sangue; o mesmo desespero e ranço do espírito de asas quebradas, rastejante como um verme que ainda não se recriou no casulo; a mesma embriaguez e entorpecimento de uma alma destroçada, entregue e prostrada à beira do “caminho de dor infinita, de decadente ganho, daquele que está cansado de chorar” (“The path of endless pain, of decaying gain, of whom is tired to cry”, assim um eu-lírico envenenado e cansado de seu próprio veneno cantava então em “Mitleiden In Der Mitternacht”). “Sehnsucht” como se chama a nostalgia por algo não vivido, o anseio inominável por um mundo que existe apenas enquanto estado do espírito e que, assim, se realiza, a força motriz, a eterna chama, o “longo caminho” do desejo. Ah, o jumento só diz “sim” se ele fala alemão! [“ia!” é a onomatopeia do “zurro” do jumento na língua materna da filosofia moderna]. Este belo burro de carga aprendeu a ler a dor e a alegria da vida em mais de uma língua e em cotejo com várias traduções; a escrever em vernáculo o fluxo de sons & sinais de seu espírito, cantado em canções. Este camelo sabe que o deserto cresce, que o conhecimento da vida amplia seus limites e as noites e os pequenos prazeres encontrados na aridez já não soam tão agradáveis quanto antes. Para acolher novamente a mais rara beleza das asas das borboletas e da ventura de todos os bichos que se criam soltos, será preciso recuperar a inocência da vontade, justifica-la e redimi-la... “Shoganai” não meramente como uma aceitação passiva da realidade, mas, como preconiza a refinada arte dos sentidos das culturas orientais, uma superação da frustração: “Tal e qual o mundo o é, não poderia aceitá-lo. Contudo, é nele que existo. Porém, se já não posso mudá-lo de todo, não mais me inquieta o espírito a sua face que me é mais estranha”. Se sigo aqui, na penumbra, com meu desgosto, mesmo este afeto é preciso superá-lo. É preciso despoluir o espírito, descontaminar os símbolos da carga de sentidos corrompidos que os ruins lhes deram. O sol não deixa de brilhar apenas porque algumas retinas já se cansaram de sua luz... É preciso perdoar a si mesmo e expurgar os seus medos: assim, a vida ressurge para enxerga-lo através de outras retinas. Que para tal se evoque os espíritos livres que fizeram a travessia com altivez e vontade mais pura, que trilharam caminhos nunca antes trilhados. É preciso, em resumo, aceitar a vida e o destino mesmo sob a dor mais infinita. Aceitar e — por que não? — amar. 

Foto da capa: Ipê do CEF 2 de Ceilândia

 

- Link para download aqui: https://drive.google.com/drive/folders/1-YdAGYKYbT8YVnTjKw34wIsFEg0MvFFe?usp=sharing

- Chave-pix para contribuições voluntárias: 029.811.391-00 (CPF, Juliano Berquó Camelo).


Juliano Berko

 

Sehnsucht & Shoganaiou “Anseio & Superação

[2023]

 

1.Onde Brincam As Crianças?

[“Where Do The Children Play?”, Cat Stevens/Versão: Juliano Berko]

2.Aftersun[Juliano Berko]
3.Sociedade Paliativa[Juliano Berko]
4.Sonetos Para Não Morrer” [Juliano Berko]
5.Por Que Não Amar?” [Juliano Berko]
6.Papillon” [Juliano Berko]
7.Bicho Que Se Cria Solto[Juliano Berko]
8.Allegro, Ma Non Troppo” [Juliano Berko]
9.“Despoluindo Belchior” [Juliano Berko]
10.“Camelo” [Juliano Berko]
11.Filha da Alegria[Juliano Berko]
12.“Banzai!” [Juliano Berko]