Devemos nos despedir da vida como Juliano de Ceilândia: bendizendo mais do que amando.
O Verso Lá no Verso
É o avesso
domingo, 17 de novembro de 2024
segunda-feira, 11 de novembro de 2024
Resenha — O Amor de Medusa
Posto aqui o texto que, pela limitação de caracteres, esta cortado no instagram. Os textos completos, resenha e letra, além da canção em si, estão neste link do youtube.
"O Amor de Medusa": Esta
foi a última composição para o álbum. Forçosa foi sua criação,
parida eu não diria... Abortada, talvez?, pelo imperativo de expiar
este infinito mal estar, este derradeiro mal entendido. Ao longo do
período de produção — de agosto a novembro — a harmonia e a
melodia foram sendo reelaborados e reconstruídos, findando com o
estratagema de utilizar uma dominância tonal nas estrofes (“si”,
B) e outra no refrão (“ré”, D), contudo, com uma peculiar
característica: a primeira nota cantada em cada verso, seja nas
estrofes ou no refrão, é um “F#” (fá sustenido), nota comum a
ambos os tons, o que causa estranheza na passagem entre as partes da
canção, o que orna com o seu espírito — também foi um tenebroso
estranhamento ver que aquilo que seria uma história de amor
transmutou-se num repulsivo conto de Nelson Rodrigues do qual algum
senso de pudor, que também conserva minha digestão, me impede de
relatar em maiores detalhes. Em todo o caso, sou incontornavelmente
verborrágico, basta que se leia o texto da canção e está tudo lá.
Uma crônica que narra a morte de um amor, ou melhor: a metamorfose
do meu amor, que é o mais poderoso e infinito, mas que eventualmente
muda o destino de sua torrente para onde possa melhor fluir e ser
acolhido, tal como o rio Amarelo, Huang
He,
na China, que ao longo dos séculos muda a sua foz de lugar, pois o
sedimento acumulado ocasionalmente não lhe permite fluir e acessar o
mar, um evento traumático, que causa inundações e destruição,
mas que não deixa de ser um evento natural...
Ah, ainda sou abençoado com boas metáforas! Ainda tenho afiadas
navalhas nas pontas dos dedos e da língua. Oxalá que a vida assim
me conserve! Meu paraíso também se localiza à sombra da minha
espada. Também sou dos que amam apenas o mais distante mar e às
minhas velas ordeno: busquem sem cessar! Tomo emprestado dos gregos,
os que com maior detalhe e sabedoria registraram as nuances da
humanidade em uma miríade de estórias, os símbolos que aqui, nesta
canção, me redimem desta experiência terrível, deste acaso mais
triste. Cogitei utilizar a gravação que fiz, como prova material a
meu favor, em que Medusa, esse monstro cacheado de serpentes,
reconhece que me agrediu e que “não se orgulha” disso. Declinei,
pois minha melhor razão me desaconselhou. Minha arte é sagrada e
dela sou cioso no mais elevado grau, não quis poluir ainda mais
minha obra para além das referências à experiência excruciante a
que me impeliu esta górgona infeliz! Petrificada em sua neurose,
também dela tive que tirar algum leite e — como todo leite, como
sabem os eleitos
do conhecimento
— é alimento,
mas, em alguma medida, também veneno.
“Onde não for possível amar deve-se passar ao largo”... A
víbora que pica Zaratustra não o mata, apenas o desperta para o seu
ainda longo caminho.
sábado, 5 de outubro de 2024
Um Amor
Um Amor
Se aprendi a amar até o fim?
Já não sei. Meu ouro
Deixei de guardar para mim.
Quantas flores do meu jardim
Cultivei e outro, o tempo, o vento,
Podou o meu jasmin!
Se há coragem em abrir o meu
Coração --- não me diga que eram
As grades de uma prisão!
Um amor que se cultive
Uma flor que feneceu
Um amor que um dia tive
Essa planta já morreu
Quando amar for mergulhar
No mar da tranquilidade, o amor
Vai me banhar nas águas do rio Lete.
Que as neuroses queimem na fogueira
Das vaidades dessa experiência triste
Que ora se repete.
Se, por ventura, Eros me cura
Da depressão, da amargura
Me liberto com minhas próprias mãos.
Gestos falsos, muita dor
Um amor protocolar
Devagar com o andor
Diante de quem não sabe amar.
Paráfrase IX
Com quem será, afinal?
Com quem será, afinal?
Com quem será, afinal,
Que vou viver o meu trisal?
Vai depender, vai depender
Vai depender se L****** e T*******
Vão querer.
Elas aceitaram. Por um tempo, aceitaram.
Tiveram orgasmos múltiplos e depois me abandonaram.
Passou um mês. Passou um mês.
Passou um mês e minha dignidade de desfez.
quinta-feira, 29 de agosto de 2024
Longos Lutos
domingo, 18 de agosto de 2024
O Amor de Medusa
O Amor de Medusa
sábado, 17 de agosto de 2024
Allegro, Ma Non Troppo
Letra & música; bateria & teclados (piano eletrônico 2.6), escaleta, guitarras, baixo e vozes: Juliano Berko, 2023. Álbum: "Sehnsucht & Shoganai" (2023).
Quidquid Luce Fuit Tenebris Agit
1. O que acontece na luz, age na escuridão. E também o contrário.
2. Ainda sem acreditar no que me ocorreu nas últimas horas, pela milésima vez. Nas primeiras, seguia insone, procurando sentidos madrugada a dentro. Nessa noite, já pude dormir aliviado, experimentando profunda gratidão à vida por me libertar dessa relação venenosa.
3. Caíra na teia de uma rata, doutoranda em psicologia pela UnB, cravejado pelas garras de uma ave de rapina da Ceilândia norte! Certamente motivo para ela de orgulho na vida. Supondo que seja "vida" aquilo que ela experimenta, o que eu mesmo tenho mil razões para crer que não seja.
4. Por mil vezes pude atestar toda a manipulação da linguagem, toda distorção das minhas palavras, todo o tensionamento provocativo...
5. Em uma das últimas ocasiões, salvo engano em junho, ela veio sem bolsa -- não veio pra ficar. Veio apenas provocar uma discussão, a milésima repetição da mesma cena. A segunda muito idêntica a outra de 4 meses atrás: Veio à minha casa e procurou tirar de mim alguma acusação — restei silente e condescendente com as suas atitudes, nada disse que desabonasse a mesma — tão logo fui acusado de mentir que a amava e que insistia na relação apenas para testá-la. Infelizmente, isso me tirou do meu centro de gravidade. Acabei falando umas verdades, sem respeitar a distância segura para tal, o que vai contra a minha ética consolidada desde 2015, e tomei uns empurrões e unhadas. Eu nunca havia sido agredido assim por mulher nenhuma. E nunca mais serei.
6. Há cerca de duas semanas, ela entrou em crise novamente. Os sinais estavam todos lá: hiato na comunicação, quando muito mensagens frias e protocolares, todo o falso-self dela operando comigo como se eu fosse alguém do convívio mais distante, não íntimo — os estranhos agradecimentos que ela proferia para os gestos de amor que se espera em uma relação..., a falta de implicação em atividades conjuntas, eu tive que ir ao seu portão sem ser chamado na véspera deste dia. Até que, no início da semana, ela finalmente se abriu e disse não estar bem. Que não estava confortável com a própria vida, de um modo muito amplo, usou, inclusive, uma expressão que usei em outro texto e cuja fonte primária é o Zaratustra — ela teria "apodrecido no pé". Perguntei se havia e qual seria a minha participação naquele desconforto. No que prontamente me responde que não se sente mais confortável em conversar certas coisas comigo, que sempre lembra de coisas que eu já disse. Eu mudei meu estado de ânimo e declinei de continuar a conversa presencialmente porque a tristeza assaltara o meu coração. Voltei para casa, mas decidi entrar em contato por mensagem novamente. Reclamou de não poder falar de qualquer coisa que tenha vivido com sua mãe, que acha que errou por ter sido imatura na nossa relação. Eu exigi uma posição. Eu entreguei 2 anos da minha vida nessa relação. Tinha, e ainda nutro na minha alma, a expectativa de viver uma relação tranquila, amar e ser amado pacificamente, como eu já experimentara uma vez na vida (a mais gloriosa experiência de amor que jamais tive, com a mãe de minha segunda filha), sem estar ao lado de uma pessoa que está angustiada com minha presença. Isso não é amor. É doença. Ela, então, decidiu pôr fim à nossa relação ali, por WhatsApp! Até meus bons alunos do ensino médio com quem conversei depois disso confirmaram a vileza de findar uma relação dedicada de anos assim. É pura covardia. Desaforei, pois, a grosseria é a mais humana contradição, e quem não sustentar a lâmina fria da minha palavra que pereça por ela, e interditei toda a nossa comunicação.
7. Anteontem decidi enviar uma derradeira mensagem, por email, cuja resposta foi tão empolada, tão falsamente tranquila e bem resolvida, com todos os sintomas da neurose gritando alto por trás de cada afetação superior de quem finge muito bem possuir autocontrole, ao menos uma continência verbal hipócrita, que quedei angustiado ao longo do dia de ontem. Havia ainda um livro dela aqui, o ótimo "Quarto de despejo", que não cheguei a terminar de ler, por desgosto..., e resolvi ir, contra todas as indicações dela mesma e do universo, bater em seu portão para entregar o livro e pedir para me dizer o que disse por mensagem cara-a-cara. Não me atendeu. Me fez ficar cerca de 20 minutos em frente a sua casa no esgoto a céu aberto que é a Ceilândia norte. Até que o traficante da esquina, o nobre guerreiro defensor da sua comunidade valorosa, veio me interpelar e sugeriu, de modo sutilmente ameaçador, que eu fosse embora. Ela teria entrado em contato com alguém solicitando essa ajuda? Como se eu fosse alguém digno dessa tratamento, ser enxotado por traficante de esquina?
8. Nem todos os títulos do mundo, nem todos os pós-doutorados possíveis, nem todo domínio da linguagem possibilitada pelas gramáticas de todas as línguas de todos os povos poderiam conferir dignidade a essa mulherzinha venenosa. E como poderia ser diferente?Tem uma flagrante e comovente dificuldade de se desconectar, de elaborar, a necessidade de amor dos pais. Me arrastou, bem mais de uma vez, para sentir o hálito morno da morte. Ontem, pela última vez! Que pereça na sua angústia longe de mim para sempre! Seus cachos com cheiro de óleo de coco não são mais que as serpentes de Medusa! Eu, que sou herói, não viro pedra — arranco a sua cabeça e a deusa Atena coloca essa imagem no meu escudo!
A víbora que pica Zaratustra não o mata com seu veneno. Apenas o desperta para o seu ainda longo caminho.
sábado, 6 de janeiro de 2024
Ao Deus Janeiro
Se arrependimento matasse... Decerto mata e eu já morri muitas vezes na vida. Mas sempre renasci, ressuscitando meu orgulho e afirmando: "Tal e tal coisa foi importante para que eu (re)aprendesse tal lição ou desenvolvesse tal habilidade". O que não justifica o sofrimento, mas, certamente o redime.
Recentemente, tenho ouvido bastante "Carpe Diem", minha obra do 2º semestre de 2018 e me parece que cada verso ali cantado me relembra alguma lição de um passado já não tão recente: Aquela pacificação e sutileza do espírito que emerge meses após uma derrota humilhante e uma excruciante, gigantesca, violenta e incurável frustração. Eu mesmo canto nos meus ouvidos: "Escolho viver para conhecer/Os mistérios são a minha ambição" e "Se você não puder enxergar o lado bom que em tudo existe/Não haverá outra solução contra uma vida mais triste!" e "Todo lugar é um fim da linha/Quando um novo dia se avizinha" e "Cuidado com a música, ela poderá um dia fazê-lo chorar/Ao fazê-lo sentir ser impossível ignorar o que se impõe expressar" e "Se ontem eu era um tanto obscuro/Hoje eu sei, sou um homem perfeito/Há quem diga que eu seja impuro/Mas que calúnia! Sou puro despeito!" e assim, superado o pavor e o imenso desespero do contato tão íntimo, tão próximo, com a morte — real e simbólica—, consigo seguir caminhando no caminho escuro no qual "Só ouço meus passos/Mesmo dentre a gente eu sigo sozinho/Não só as paredes têm ouvidos/Como alguns ouvidos também têm paredes". É um caminho sombrio, pois, a única luz que o ilumina vem de mim mesmo e "A chama não é tão clara pra si mesma/Quanto para quem ela ilumina" (este último de “Flama”, do “Cave Musicam”, 1º semestre do mesmo ano).
Ah, já não gasto minha garganta gritando com os ouvidos bloqueados por paredes que não podem me ouvir. Já não gasto meu latim vulgar com quem é incapaz de sequer me compreender quanto mais — me amar!
Aos poucos a vida vai retomando o seu caminho, um novo caminho. Já surgem de mim mesmo novas metas e um horizonte ainda mais amplo e distante do que o de antes. E, neste ano em que completo 20 anos de música e canções quero agradecer minha mãe por confiar na minha força de vontade e me presentear com um violão em 2004, e minha vó por me presentear em 2005 com uma gaita cromática de primeiríssima qualidade que retenho ainda hoje. Se tudo ao meu redor ruir, se mesmo aquilo que mais amo na vida morrer, não morrerei enquanto funcionar em mim a oficina de construir canções.
Me desprendo de toda "identificação", de qualquer coação a ser aquilo que não sou — e recupero e exercito ainda mesmo certa malícia contra aquilo que "eu sou": Ora, que importa eu mesmo? Ou — aquilo que há de mais ridículo e risível — as minhas vontades? Eu sou um belo burro de carga e a vida ainda é muito longa! Ainda hoje dou um passo adiante rumo a uma vida mais livre, mais corajosa e mais soberana. Ó, Deus Janeiro, senhor do recomeço, que eu seja quem diz sempre "sim!" e que minha única negação seja virar o rosto!
domingo, 31 de dezembro de 2023
"Sehnsucht & Shoganai ou Anseio & Superação" (2023)
Contracapa do álbum, inspirada na arte gráfica das edições de Byung-Chul Han pela editora Vozes
Diria, como metáfora, que uma vez que nos afastamos da influência de outras gravidades, seguimos adiante no universo movidos pela nossa força propulsora inicial — já não podemos parar, já não olhamos para trás. A esta altura da vida nos é dado apenas seguir adiante. Este álbum, esta coleção de canções que são a expressão da minha experiência mais íntima na existência; a minha suma, cujas opiniões e sentenças são mais minhas quanto mais universais se apresentem, é este astro solitário que se afasta, na amplidão do universo, criando sempre mais espaço entre si e os demais. A grande explosão que originou esse movimento ocorreu há quase 20 anos... “Sociedade Paliativa”, baseada no gozo triste com a leitura do transdesesperançoso filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han, é a canção que, neste álbum, se filia à tradição inaugurada em “Sociedade do Consumo” (“Concreto Armado”, 2005), dos meus remotos esforços críticos em forma poética. No todo, reserva mais semelhanças com um irmão mais velho, “Καιρός” (2016): os mesmos gosto de lágrimas e cheiro de sangue; o mesmo desespero e ranço do espírito de asas quebradas, rastejante como um verme que ainda não se recriou no casulo; a mesma embriaguez e entorpecimento de uma alma destroçada, entregue e prostrada à beira do “caminho de dor infinita, de decadente ganho, daquele que está cansado de chorar” (“The path of endless pain, of decaying gain, of whom is tired to cry”, assim um eu-lírico envenenado e cansado de seu próprio veneno cantava então em “Mitleiden In Der Mitternacht”). “Sehnsucht” como se chama a nostalgia por algo não vivido, o anseio inominável por um mundo que existe apenas enquanto estado do espírito e que, assim, se realiza, a força motriz, a eterna chama, o “longo caminho” do desejo. Ah, o jumento só diz “sim” se ele fala alemão! [“ia!” é a onomatopeia do “zurro” do jumento na língua materna da filosofia moderna]. Este belo burro de carga aprendeu a ler a dor e a alegria da vida em mais de uma língua e em cotejo com várias traduções; a escrever em vernáculo o fluxo de sons & sinais de seu espírito, cantado em canções. Este camelo sabe que o deserto cresce, que o conhecimento da vida amplia seus limites e as noites e os pequenos prazeres encontrados na aridez já não soam tão agradáveis quanto antes. Para acolher novamente a mais rara beleza das asas das borboletas e da ventura de todos os bichos que se criam soltos, será preciso recuperar a inocência da vontade, justifica-la e redimi-la... “Shoganai” não meramente como uma aceitação passiva da realidade, mas, como preconiza a refinada arte dos sentidos das culturas orientais, uma superação da frustração: “Tal e qual o mundo o é, não poderia aceitá-lo. Contudo, é nele que existo. Porém, se já não posso mudá-lo de todo, não mais me inquieta o espírito a sua face que me é mais estranha”. Se sigo aqui, na penumbra, com meu desgosto, mesmo este afeto é preciso superá-lo. É preciso despoluir o espírito, descontaminar os símbolos da carga de sentidos corrompidos que os ruins lhes deram. O sol não deixa de brilhar apenas porque algumas retinas já se cansaram de sua luz... É preciso perdoar a si mesmo e expurgar os seus medos: assim, a vida ressurge para enxerga-lo através de outras retinas. Que para tal se evoque os espíritos livres que fizeram a travessia com altivez e vontade mais pura, que trilharam caminhos nunca antes trilhados. É preciso, em resumo, aceitar a vida e o destino mesmo sob a dor mais infinita. Aceitar e — por que não? — amar.
Foto da capa: Ipê do CEF 2 de Ceilândia |
- Link para download aqui: https://drive.google.com/drive/folders/1-YdAGYKYbT8YVnTjKw34wIsFEg0MvFFe?usp=sharing
- Chave-pix para contribuições voluntárias: 029.811.391-00 (CPF, Juliano Berquó Camelo).
Juliano Berko
“Sehnsucht & Shoganai” ou “Anseio & Superação”
[2023]
[“Where Do The Children Play?”, Cat Stevens/Versão: Juliano Berko]