terça-feira, 30 de junho de 2015

Falando de Escravos

O melhor estímulo a favor das pessoas de má-vontade é acenar para elas de longe, a sua frente, dizendo: "vem, se conseguir!". A pior forma de exercer estímulo sobre essas mesmas pessoas é se colocando atrás delas, como o algoz com o chicote contra suas costas, dizendo: "vá que estou mandando!". Tal atitude rebaixa quem chicoteia ao nível inferior daquele que é chicoteado.

domingo, 28 de junho de 2015

"The Gay Science"

Ainda sobre a questão do reconhecimento civil de uniões homossexuais: acho uma graça que a palavra para designá-los no Brasil e no mundo seja 'gay' [do inglês derivada do latim tardio "gaio" que pode ser vertido em gaiato/a, significando na linguagem corrente "alegria", "jovialidade"]. De minha parte, invejaria um grupo que fora marcado por causa de tal símbolo..! 

Lembro da "Gaia Ciência" de Nietzsche - em inglês, "The Gay Science"; alemão, "fröhliche Wissenschaft"; que vem da expressão provençal (dialeto do sul da França) "gai saber": a saber, o conhecimento necessário para a arte da poesia, um "conhecimento alegre" da vida, como define o próprio Nietzsche no prólogo do livro.

Em todo o caso, posso apenas lamentar que essa porção da humanidade tenha perdido o privilégio de viver à margem da normatividade social - que se traduz em padronização e controle dos afetos, morte dos desejos, quase sempre e no fim das contas.

Nós, aqueles que já vivemos o pesadelo do modelo padrão de vida, sabemos muito bem que o melhor a fazer por nossas vidas, em honra de nossa felicidade, é saltar para fora dele! Com um golpe afiado na bolsa que nos contém! Com um rasgo de ponta a ponta no véu do pensamento único, da moral, para além do bem e do mal! Que cada qual faça o seu caminho, a sua lei, a sua "tábua de valores"! De minha parte, não espero nem desejo nem a louvação nem a censura por parte de ninguém quanto aos meus parâmetros de vida. Muito menos de um monstro frio e mentiroso que é o Estado.

Reiterando: boa sorte! Vamos precisar!

sábado, 27 de junho de 2015

Nem Toda Causa de Asco é Inseto

1. Algumas pessoas não caberiam na roupa dos cristãos, todavia, se utilizam de sua máscara: se aproveitam da fantasia para evitar qualquer desgaste, sublimando sua própria natureza, por puro ardil, embebidos em má-consciência. Ante estes covardes, conscienciosas palavras e distância segura!

2. Há uma espécie de doutrina de morte, lamuriosa e lamentável, que nada faz senão em consulta aos seus pares sacerdotais, afeita às falácias e discursos subjetivos e dogmáticos, sempre puxando para cada vez mais baixo qualquer força vital: o feminismo ~pára que tá feio~. É evidente: a impressão que a violência de gênero deixou nessas pessoas é de profundo relevo; uma cicatriz dilacerante que produziu uma resposta igualmente extrema do organismo: abdicam até mesmo da razão para defenderem-se a si mesmas, produzindo um machismo de pólo invertido. Arrisco dizer: muitas destas pessoas possuíram formação nas doutrinas cristãs [o que ajuda a compreender o porquê de serem tão asquerosas...], apesar de terem-na renegado: ainda vivem à sombra de um deus morto.

Símbolos

Onde houver intensa mídia, propaganda em massa - serão eriçados os pelos da minha desconfiança. Farejo o mau-cheiro, a podridão de quem manipula os fios.

Com isso, digo: não é fácil despregar-se do espírito do rebanho.
Pelo contrário: pareço, aos olhos dos outros, um monstro, o estranho.
Mas não digo "odeio ser o estraga prazeres"
Se, a bem da verdade, muito me divirto, zombeteiro, em rir dos rumos desse pisoteamento!

Pois bem: não quero - e querer é tudo o que eu posso - ver outro amigo gay levar-se ao suicídio pelo odioso envenenamento de toda uma sociedade. É lamentável que nos ocupemos, enquanto humanidade, de estabelecer um patamar civilizatório mínimo. É lamentável e sintomático do espírito de nossa era: a modernidade é um engano, estamos alimentando monstros gigantescos... Não apenas neste aspecto - quase todas as mobilizações contemporâneas são tentativas de garantir ao menos os dedos, já que a ganância dos nossos arranjos econômicos já nos levaram os anéis há tempos.

Mas daí a regozijar-se com uma decisão de uma suprema corte de uma potência imperial estrangeira e fazer disso uma duvidosa campanha de mídia social... não me prestaria a esse papel!
Depõe contra a humanidade que as parcas conquistas - se é que podem ser assim chamadas - civilizatórias dependam de tribunais constitucionais. Ainda mais sintomática a reverberação desse refinamento da sociedade norte-americana por aqui, da forma como foi feita hoje [afetos sequestrados e tutelados pelo facebook! O horror!] - sendo que o nosso STF e o CNJ já haviam nos garantido patamares jurídicos semelhantes antes.

Uns argumentam, os mais honestos, considerando o simbolismo: ora! De simbolismos nos fartamos com o presidente operário; com a presidenta; e, o maior de todos, com o tempo, que nunca volta atrás! Símbolos, desde há milênios, apenas são instrumentos de mobilização dos afetos mais fracos, mais suscetíveis. De símbolos, pululam os cadáveres nos pântanos do Tártaro...
Não vou falar de sexualidade: aí não há o que se discutir, senão o que se experimentar e se apropriar, sendo o caso. Todavia, desejo sorte aos homossexuais nessa aventura de adentrar aos padrões produtivos e de consumo da família moderna. Dela - a sorte, e nunca esse modelo de normatividade social - todos nós, seja qual a cor que nos pintemos, vamos precisar!

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Uma Questão de Clima

Em um clima muito úmido, fungos e ervas diversas crescem com ferocidade, sendo um dispêndio de energia muito grande combatê-los, apesar do inconveniente que representam em nossa vida muitas vezes. Pois bem: do mesmo modo, é preciso mudar o clima dentro de nós para evitar que voltem a crescer incessantemente ervas e fungos que nos sejam inconvenientes.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Paráfrase

Pedalar tornou-se leve, muito leve, quando exigiu de mim a marcha mais pesada.

domingo, 14 de junho de 2015

Fábula

Hoje tive uma epifania observando os patinhos e gansos na lagoa do Parque da Cidade: Eles são apenas elementos amenizadores da paisagem urbana lembrando algo da natureza; não possuem função produtiva; nem sequer nos servem de alimento - necessário retomar aquele aforismo do "Humano, Demasiado Humano": gostamos de estar na natureza porque ela não nos julga... 

Como úteis, apesar de dispensáveis, tratamos de nos divertir e divertir as nossas crianças com eles, lançando-lhes nossas pipocas, pães, quaisquer coisas que eles possam agarrar famintos. Rimo-nos com a falta de traquejo na sua luta por uma migalha! Eles se bicam, se enfrentam, batem asas entre si; os mais valentes dentre eles nos vêm grasnando de peito aberto,  se sentindo fortes e com direitos sobre os nossos lanches, enfim... 

Não pude evitar de ver neles praticamente todo o nosso espectro político de esquerda - vagueando como dispensáveis utilidades, brigando entre si - cada categoria corporativista roubando a migalha que escorreria do banquete das elites para a outra; cada "seita" pregando para os seus e condenando-se entre si - e inflando o peito, simulando uma liderança de todas as subclasses, esbravejando sua pequenez e impotência em um ou outro microfone no congresso nacional;  em grupelhos estudantis que se arvoram defensores de ideais - com isso quero deixar bem claro: ingênuos falseadores da realidade, no mínimo; gigantescos hipócritas, no máximo. 

Lembrei-me de toda a esquerda cristã; de todos os insuportavelmente ególatras militantes de facebook - ainda que cumpram funções na organização de algo de verdade, só o fazem pela possibilidade de fazerem propaganda de si mesmos, asquerosos!; de todas as pessoas que conheci no PSOL [com justiça, excluindo o camarada Flávio Pompeu, que tem estatura teórica para refletir sobre si mesmo e suas proposições políticas] - espantalhos da institucionalidade burguesa, coagem todos os corvos que anseiam por moer os grãos semeados pela ordem hegemônica, canalhas eleitoreiros!; todos os pobres coitados que se agarram ao anarquismo por, talvez, medo da solidão, instinto de rebanho - não o sabem, mas vivem às sombras de um deus morto! - estes ainda podem salvarem-se a si mesmos se superarem o receio de serem a minoria dentre a minoria: a "minoria" sou eu mesmo; sem falar daquela que é a pior espécie de escravo: a que defende o seu senhor! Aqueles gansos mansos que comem na minha mão: em tudo se assemelham aos defensores destes governos deste partido de merda, o lastimável PT - que em cada ato deixa evidente que defende os interesses da grande burguesia nacional e da finança internacional - e ainda falam em "minimizar a desigualdade", em "correlação de forças", toda a ladainha dos covardes e dos canalhas que estão no poder! Com estes me divirto muito mais, talvez por isso sejam os menos dispensáveis!

O Dia do Sol

É domingo, quase oito horas da noite, acabo de chegar em casa de um dia no parque com a minha família e, agora, na minha abençoada solidão, me surge a questão: cafeína ou álcool?
O álcool me derruba como Muhamad Ali; como touro contra toureiro experiente: vou à lona - à lama - numa "vulgar rapidez", como diria Nietzsche.
A cafeína contribui para o despertar dos meus sentidos desde sempre, evita muito desgaste, muito dispêndio de energia psíquica e muitas válvulas tensas que o álcool não se envergonha de libertar numa sangria. De modo que apenas com o mais elevado conhecimento de si o álcool deveria ser utilizado, como uma espécie de bisturi, um instrumento de uso pontual para extirpar determinada sombra de nossa psique. Deveria ser de corrente estranhamento tal substância ser tão comum, tão vulgarizada ao mesmo tempo em que outras psicoativas são demonizadas e perseguidas - ainda que, provavelmente, sejam instrumentos bem mais efetivos e importantes para o fortalecimento da personalidade de alguém. Pois bem: hoje vou de cafeína.

Os anglófonos guardam mais justiça ante a história e a genealogia das mitologias: chamam este dia de "sunday" - o "dia do sol" - tais quais guardiões dos antigos cultos pagãos. Os cristãos, estes miseráveis cretinos que a tudo mancham com seus dedos e palavras podres, como não poderia deixar de ser - não poderiam proceder de outro modo - falsearam o santo dia como domingo - do latim "dominicus", o "dia de deus" - e com este lance linguístico afastaram a humanidade do sentido original deste dia de sagrado descanso: a celebração da força e de tudo o que é forte na vida, levando-a além. E tão logo foram se esconder com a sua infinita vergonha dos seus desejos mais profundos; com seu ódio indisfarçável contra a felicidade mais ingênua; embebidos de veneno europeu (que o pregado havia transformado a partir da água) cambaleantes, agressivos e depressivos, nas suas naves escuras, suas cavernas, suas igrejas - "túmulos e monumentos fúnebres de deus!". O domingo é, assim, o dia de se ajoelhar ante este deus impotente, pois, invejoso, vingativo, de um amor inseguro; um deus que, se existisse, haveria de ser combatido com a mais intensa força pelos seres potentes deste universo!

Daí facilmente se depreende todo o sentido das atuais políticas sobre drogas: tudo o que for útil ao poder será liberado e, quando faltar qualquer pudor, fartamente estimulado - como é o álcool no Brasil. Poderá vir um dia em que o poder necessite de pessoas mais dóceis e risonhas: a maconha então seria vendida ao lado das balinhas e chocolates nas padarias. Um atentado contra a cafeína: utilizá-la como chicote no lombo dos escravos: em todo lugar em que há trabalho, há café... É preciso compreender a gênese deste poder e o que ele quer que as pessoas façam: por exemplo, o álcool é hoje vendido nos postos de gasolina e não me recordo de ficar a saber de uma sociedade com tantos mortos por violência no trânsito causada por motoristas alcoolizados. Todo o arranjo político no Brasil precisa de uma sociedade brutalizada: num Estado de selvageria - isso é sabido da ciência política desde os contratualistas - como nos assemelhamos, não há o menor vulto da ideia de evolução, de progresso da associação dos indivíduos; todos se agarram aos parcos recursos que possuem (e que, por eles, são possuídos) com extrema violência. Ora, o que é o discurso político conservador brasileiro e a violência difusa em nossa sociedade (em várias formas - simbólicas e físicas) senão dois lados de uma mesma moeda? É necessário que seja assim: de outro modo, os arranjos superestruturais seriam alvo de mudanças e poderíamos ameaçar poderes maiores que o nosso - geopoliticamente falando. Nossa estupidez é maravilhosa: serve como laboratório para testes de novíssimas tecnologias de controle e disciplina; mantém uma incessante produção de trabalho escravo, enfim... poderia defender esta tese com mais profundidade, mas o café já ataca o suficiente meu fígado.

Que deus está morto nossa razão o sabe muito bem. O que me importa? O aprendizado do inverno: é o sol que nos aquece, tolos! É a força que leva a vida acima e além - não a fraqueza; a afetação; a compaixão; todos os "espíritos do peso"! Então, como superar as sombras de um deus morto? Comecemos assassinando a vergonha de nossos próprios desejos! Cuspamos para fora, tal qual o fizera Zaratustra, a inveja de uma felicidade ingênua! E cuidemos, cada qual, dos nossos caminhos.

sábado, 6 de junho de 2015

Chegando Atrasado Ao Fim dos Anos 50

Tomo por admirável aquilo em que vejo uma genuína manifestação da coragem...
O que acho mais admirável em meu pai?
Ter tido filhos com minha mãe.
O que acho mais admirável em minha mãe?
Ter se separado de meu pai.

De vez em quando me flagro, num jogo psicológico autodestrutivo, nutrido de profundo autodesprezo, imaginando como teria sido o relacionamento dos dois, ambos disputando com muito equilíbrio de forças quem teria sido mais mau-caráter e manipulador; mais covarde e agressivo; mais medroso e compassivo... 
Enfim, a luta do século [passado]!

Todo esse asco me lembrou a seguinte passagem do "Humano, Demasiado Humano":
1. "Sobrevida dos pais. - As dissonâncias não resolvidas na relação entre o caráter e a atitude dos pais ressoam na natureza da criança e constituem a história íntima de seus sofrimentos."

2. "Vindo da mãe. - Todo indivíduo traz em si uma imagem de mulher que provém da mãe: é isso que o leva a respeitar as mulheres, a menosprezá-las ou a ser indiferente a elas em geral." [Ou a ter sentimentos dúbios para com relação a elas, acrescentaria.]

3. "Corrigindo a natureza. - Quando não se tem um bom pai, convém providenciar um."

4. "Pai e filho - Os pais têm muito o que fazer, para compensar o fato de terem filhos."

[1, 2, 3 e 4: Aforismos 379, 380, 381 e 382, "Humano, Demasiado Humano", Nietzsche]

quarta-feira, 3 de junho de 2015

O Fundo

O que é a minha arte? O que é a minha escrita? O que é este blog?

No fundo, um belo exercício de retórica e eloquência...

Mas, quem disse que eu me importo com o fundo?! Para lá vai tudo aquilo que morre, tudo aquilo que pesa - que possui menos força que a gravidade - ou que se ampara em algo - um tanque de oxigênio, uma religião, um ídolo - para manter-se vivo...

Quero mesmo é nadar na superfície exercitando a minha força, sentido o sentido da vida! Breves mergulhos pra aumentar o meu fôlego, decerto... mas não me interessa, de modo algum, o "fundo"!

Astronomia

Existem pessoas que são como a lua cheia: brilham apenas no escuro; emulando, refletindo, tomando como sua a luz dos outros. Quando vistas ao lado daqueles que têm luz própria - de um sol -, empalidecem tal qual o céu de um dia de outono, comovendo as pessoas deste modo: "Nossa, como aquele brilharia bem na escuridão!". 

Pois bem! 

Eu sou aquele sol! Uma distância segura de mim se faz necessária: perto demais minha força faria cinzas de gente pequena; a uma distância generosa, faria bem aos que se fartam da minha luz e calor; a uma certa distância - como as coisas da memória - brilharia como uma estrela em céu noturno e talvez nem me permitisse mostrar a alguém se ainda vivo... 

No vosso outono, me afasto; vou queimar sozinho em algum outro canto, mas, deixo a vocês de presente, pois sou generoso, o conhecimento de um inverno. O meu orgulho me leva, a minha vaidade traz-me de volta, dado o vosso anseio genuíno por calor! 
 
Agora, vejam bem: existem estrelas de várias grandezas: perto de um Nietzsche, por exemplo, sei que me assemelharia a um grão de fuligem incandescente que escapa de uma gigantesca fogueira.

terça-feira, 2 de junho de 2015

De Olhos Fechados

 Estive relendo algumas postagens antigas deste blog que já está próximo de fazer oito - o infinito de pé! - anos. Na primeira postagem, em que apresento o blog, há o seguinte comentário que me suscitou algumas dúvidas...
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Anônimo disse...
Primeiro, o desafio maior era incorporar a linguagem artística à uma obra musical acabada e irretocável como é a sua música. Fugir dos excessos, evitar o óbvio e alimentar a memória emotiva.

Era então preciso dar "corpo" ao diálogo contemporâneo com palavras cristalizadas. Você o fez. É requintado , lógico e até matemático. Um quase desacompanhado.

Só tinha de ser você.

te adoro.
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Pela referência à minha obra musical, lisonjeado, com toda aquela falsa modéstia que sempre me coubera... Todavia, por curiosidade... quem fora esse comentador anônimo? Fora aquela? Ou aquela outra? Ou ela? Que importa! Há espelhos de toda espécie, que distorcem de várias formas a nossa imagem! Hoje eu sei que o único modo de enxergar alguma coisa de mim mesmo é, a priori, de olhos fechados. Toda imagem recebida de fora é um espelho retorcido, um sopro que infla uma vaidade vacilante... quem no mundo poderia lançar-me alguma imagem próxima da que eu tenho de mim mesmo?! Qual aquele que "[...] perscruta o fascínio que dele se aproxima mas está longe de lhe ir ao encontro [...]" [Nietzsche em "Ecce Homo"].
 
Assim, está é a inscrição na minha porta:

"Quem aqui entra me dá uma honra, quem não entra me dá prazer" 
["O Poeta" Nietzsche em "A Gaia Ciência"].

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Pura Vaidade

1. A quem pode interessar os motivos da minha solidão? Ora, que voem pra longe, aves de mau agouro! Se vivo só e lido com as entidades do silêncio e do escuro, somente a mim cabe questionar-me os motivos de tal forma de vida, pois que razão acha-se facilmente para tudo. Dos meus monstros, cuido eu! Vejam bem: os monstros são meus!

2. Uma pessoa pode permanecer viva por pura vaidade: já não lhe restam outros esteios, outras âncoras na vida que não a teimosia em estar, em ocupar um espaço, em apostar em um risco e, no lance de sorte, esperar ser reconhecido pelos outros como aquilo que acredita intimamente ser - isso que é o que aqui se entende por vaidade. Aqueles sapos que se enchem de ar para afetar de medo os concorrentes, de luxúria os parceiros sexuais... a isso não posso chamar de vaidade, talvez de blefe. Para naturezas mais refinadas, nobres, que possuem o seu recanto no isolamento quase absoluto, pouco importam os parâmetros médios da medida de uma pessoa. Que importam eles! A aposta, para tal estirpe, é sempre muito alta. Que assim seja! Estar vivo por vaidade! E por que motivo maior que este se poderia ainda viver?!

3. De modo que em uma tal pessoa um otimismo realista que diz "não espero nada, estou pronto pra tudo" ocupa-se de imaginar os cenários mais terríveis que o horizonte do futuro possa lhe trazer - as crises econômicas mais agudas; as relações pessoais mais afiadas que um punhal, conflitos com agentes da ordem hegemônica; viver em situação de rua ou mesmo voltar a morar com a família por uma depressão financeira; toda sorte de enfrentamentos e perigos, enfim. Navegar em mar calmo, para elas, é de pouco valor e, talvez pela sua própria natureza, pouco provável. Cabe a pergunta retórica: um raio procura a nuvem mais carregada para chegar à terra ou é dela mesma apenas uma manifestação?

4. Estas palavras estão despidas de qualquer vestígio de má-consciência? São apenas as palavras do Macaco de Zaratustra? Ora, até estas perguntas são por pura vaidade!